Jane Monheit

A voz de Jane Monheit é tão bela quanto o seu rosto e há quem veja nisso um problema. Lembram-se dos acalorados debates sobre Diana Krall? Pode uma loira daquele calibre cantar jazz? Há, convenhamos, algum preconceito nesta questão – elas têm lá culpa de serem bonitas… E se normalmente associamos o jazz vocal feminino a mulheres mais complexas na atitude e na voz (Holiday, Fitzgerald), não podemos esconder outras caras mais bonitas e vozes mais celestiais (Julie London, por exemplo), com destaque assegurado na música que já foi negra.
“Linda” e “celestial” são precisamente duas palavras que assentam bem a Jane Monheit. A voz é perfeita – a sua carreira começou em 2000, após ter ganho um prestigiado prémio nessa categoria –, mas é uma voz sem rugas, sem sombras. Perfeitinha, seja em canções mais banais, seja nos temas de maior espessura. E isso, sim, pode ser um problema – algumas canções exigem um tormento na voz que Jane não alcança. Não que a interpretação não seja perfeita, será, talvez, até perfeita de mais, mas falta por vezes o grão ou golpe de asa que dramatiza as palavras e as notas.
O seu último disco (The Lovers, The Dreamers and Me, 2008), que servirá de base à passagem por Lisboa, junta clássicos (Porter, Bernstein) com escolhas menos óbvias e mais pop (Paul Simon, Fiona Apple, Ivan Lins), o que, de alguma forma, confirma estarmos perante uma jazzista impura. Vantagem: vem acompanhada de trio, cujas limitações naturais deverão conter o tom delicodoce de algumas orquestrações do disco.

Pete Yorn & Scarlett Johansson - Break Up ***

Sexo. Não há volta a dar – este disco tem falta de sexo. Podemos fingir, usar eufemismos, e dizer que falta aqui paixão, talvez até sensualidade. Mas o que falta mesmo é sexo.
O objectivo de Pete Yorn era, confessadamente, imitar Gainsbourg e os duetos com Brigitte Bardot nos anos 60. BB não era ainda o sexo explícito que Jane Birkin viria a fazer uns anos depois, mas era já a voz entre o infantil e o sensual que servia as canções provocatórias de Gainsbourg.
Acontece que Scarlett Johansson tem voz infantil, mas a sensualidade deixa-a toda no ecrã. Falta-lhe a insinuação, a flexibilidade de deixar escorregar algumas sílabas para a garganta. E, claro, as canções de Pete não ajudam – falta-lhes o Diabo na alma do louco francês.
Fica-nos, então, um disco que conta a história de um romance que dá em separação. E as canções e os desempenhos vocais desamparados de comparações.
Importa referir que, apesar de só agora ter sido editado, este disco foi gravado em 2006 e as participações de Scarlett terão ocupado apenas duas tardes. Não faz sentido, por isso, qualquer comparação com o semi-desastre da estreia a solo da diva (Anywhere I Lay My Head, 2008) e que, afinal, foi gravado depois.
Break Up é basicamente um disco de Pete Yorn (apenas um tema não é de sua autoria), um rock que bebe nas origens americanas, coberto da sujidade da electrónica. Essas camadas e estrias electrónicas envolvem a voz de SJ e disfarçam a sua fragilidade. Ouvimo-la, em todo o seu esplendor, por exemplo, em “I Am The Cosmos” e é agradável, sem ser entusiasmante. Como o resto do disco, aliás.

Florence + The Machine - Lungs ***

Nas canções de Florence vale tudo, mesmo tirar olhos. Literalmente. A receita é constante: chega de mansinho, com harpas, flautas e coisas parecidas, mas depois evolui para os bombos e aí é que são elas - desata a gritar e a debitar alguns dos versos mais violentos desde os alvores do punk. Uma espécie de Enya louca, pela veia celta, cruzada com Annie Lennox, pela estridência vocal. Florence, já perceberam, é toda ela energia e nesta dúzia de canções raramente nos dá descanso. E o problema talvez seja precisamente esse – esta é uma música um tanto cansativa. A composição é relativamente pobre – trata-se, antes, de uma persistente e algo repetitiva colagem de sonoridades, de tal maneira que, após várias audições, não se conseguem distinguir as canções umas das outras. O facto de Florence gritar do primeiro ao último segundo não ajuda. E como tudo isto gira à volta da violência sentimental/conjugal, se calhar, alguma ONG deveria tomar conta do assunto…

Colbie Caillat - Breakthrough **

Colbie Caillat precisa de perder aquele sorriso levemente idiota que apresenta nas capas dos discos. Dito de outra forma, precisa de crescer, amadurecer, ter um ou dois desgostos de amor. Chorar, sofrer. Sofrer até já não chorar. Coisas sérias, enfim. Porque, com vinte e poucos aninhos, e ao segundo disco, continua a compor e a cantar canções de amor, como se a adolescência fosse eterna e, principalmente, um tanto parva. É claro que talvez não se possa pedir mais à californiana que, aos 21, deliciou o mundo com uma voz e uma cara linda (o CD chamava-se Coco e andou por tudo o que é top). Ela explora o filão e os fãs, muito provavelmente, agradecem. Ela até convida o seu alter ego masculino (Jason Mraz) para uma canção, o que deve agradar especialmente à claque feminina. Muito provavelmente, estamos a ser injustos – a juventude é para ser vivida com esta alegria e, por isso, nada melhor que gravar 12 canções que lhe sirvam de banda sonora.

Regina Spektor - Far ****

Amadurecer seria o pior que poderia acontecer a Regina Spektor. E, no entanto, a inevitável lei da vida prossegue a sua marcha. Regina amadurece.
Felizmente, para já, o amadurecimento de Regina é subtil e, de certa forma, até a beneficia. Sim, porque uma Regina madura talvez seja uma Regina menos selvagem, espontânea, surpreendente, interessante. Uma Regina plenamente madura seria, talvez, apenas uma síntese de Tori Amos, Suzanne Vega, Joni Mitchell e mais duas ou três suspeitas. Mesmo assim, convenhamos, não seria nada mau.
Este terceiro disco de grande expansão de Regina Spektor (o começo de carreira é constituído por gravações caseiras) mostra-nos uma artista mais segura, de voz mais aveludada, menos estridente, menos irrequieta do que aquela que surpreendeu meio mundo com Begin to Hope (2006), (Soviet Kitsch, de 2004 teve uma carreira mais discreta) . Há ganhos e perdas, portanto, mas, no fim, tudo se equilibra.
O piano continua omnipresente, por vezes roçando o classicismo, por exemplo em “Machine”, um dos mais perfeitos exemplos do casamento entre esse background que Regina trouxe da Rússia com o rock que absorve na cena de Nova Iorque. “Machine” é, com “Dance Anthem Of The 80’s”, uma das canções que mais faz lembrar a Regina menos madura. O resto do disco tende a ser, digamos, mais arredondado. Tem baladas lindíssimas (“Genius Next Door” ou “Man Of Thousand Faces”) , canções que ficam no ouvido (“Blue Lips”, “Two Birds”), enfim, histórias banais (“Wallet”), das quais se tiram grandes lições sobre o Universo e coisas menores (“Human Of The Year” – uma canção que demonstra que é possível repetir “Aleluia” no refrão sem reinterpretar Cohen).

Liam Finn - I'll Be Lightning ****

Há dois anos, a Rolling Stone colocou Liam Finn na lista dos novos artistas que valia a pena seguir. E fê-lo a propósito deste I’ll Be Lightning, saído primeiro na Nova Zelândia e depois no mercado internacional. Chega agora a estas paragens, numa altura em que se conhece a segunda gravação de fôlego (o EP Champagne in Seashells), do qual a revista americana ainda não deu nota.
Liam Finn sabe nadar talvez pelo facto de ser filho de peixe – mais precisamente de Neil Finn, a alma dos Crowded House. Mas saber nadar não é condição suficiente para sobreviver no mundo da música. Liam é, antes de mais, um fantástico escritor de canções, isso é o que mais sobressai deste I’ll Be Lighthing, nada mais nada menos que 14 exemplos da arte de bem compor.
É frequentemente comparado a Elliott Smith, do qual bebeu o gosto pela melodia, mas não a forte tendência depressiva. Se é verdade que a melancolia também mora aqui, a verdade é que por vezes a exuberância traz consigo a alegria, raios de sol. Estilisticamente, Liam Finn é, antes de mais, herdeiro dos songwriters dos anos 70, e nessa medida dos Beatles (“This Place Is Killing Me” e tantos outros traços melódicos que por aqui se ouvem). Mas isso é na escrita, porque na interpretação (e cabe aqui referir que Liam toca a quase totalidade dos muitos instrumentos) estamos perante alguém que bebe tudo, da folk (“Gather To The Chapel” ao psicadelismo (“Second Chance”), passando pelas guitarras como deve ser (“Lead Balloon”), até um belíssimo a cappella (“Lullaby”).
Segundo as últimas notícias, além do novo EP, Finn anda envolvido em algumas aventuras colectivas de contornos ainda pouco precisos. Vamos ouvir falar dele, certamente.