João Vasco Almeida e Rui F. Baptista - 12 Erros que Mudaram Portugal ***

Pegue-se na mania das listas, de que padece cada vez mais gente. Junte-se-lhe outra mania, a de encontrar um ponto de vista diferente, inesperado, bem humorado, “giro”, de contar as mesmas histórias de sempre. Contrate-se um ou dois jornalistas, guionistas, ou investigadores de vária estirpe com queda para a escrita. Embrulhe-se tudo de forma muito ligeira, capítulos curtos, letra grande, ilustrações q.b.. Eis a fórmula de sucesso garantido nas livrarias anglo-saxónicas há décadas e décadas.
Este é o tipo de cozinhado que, se bem não fizer, mal não faz. Sejamos generosos: com estes livros de divulgação aprende-se sempre alguma coisa, nem que seja daquelas histórias para contar nas reuniões de família. “Sabem que o D. Afonso Henriques, afinal, não bateu na mãe, tinha era um certo pó ao amante da mãe?” Este é o tipo de tirada capaz de desbloquear uma conversa, iniciar um animado debate sobre o complexo de Édipo ou simplesmente mostrar que estamos perante uma pessoa de cultura geral acima da média.
Este volume, que se lê em meia dúzia de viagens de Metro, não está mal conseguido, se atendermos os objectivos a que se propôs. E aqui é preciso salientar um aspecto muito importante: o título é “12 Erros Que Mudaram Portugal” e não “Os 12 Erros Que Mudaram Portugal”. Ou seja, os autores escolheram uma dúzia de acontecimentos marcantes da História de Portugal e tentam contar-nos o que correu mal, ou que equívoco terá estado por detrás desse evento. Em regra, foram escolhidos momentos marcantes (as Descobertas, a implantação da República…), mas quando a selecção se torna mais aleatória revelam-se algumas fragilidades. Por exemplo, o que terá sido mais marcante na nossa história contemporânea, o buzinão (que os autores contam), ou a decisão de última hora de Sá Carneiro de ir de avião, e não de carro, para o Porto, na noite de 4 de Dezembro de 1980. Isso, sim, foi um erro…
Desnecessário era que, num livro destes, surgissem erros de português. “Concelho de Segurança da ONU”? Principalmente, quando se critica o analfabetismo: “Em Portugal, já há época um país maioritariamente analfabeto…”. Vá lá, não engrossem a lista!

Tom Jones - 24 Hours *****

Pede-se gentilmente às senhoras presentes na sala que não insistam no ritual vulgarizado nos anos 70 de atirar lingerie para o palco - aos 68, quase 69, o artista poderá não aguentar o impacto dos novos wonderbra… Não levem muito a sério quando ele canta “I’ve got sexual ambition… The older I get, the better I was”. A canção (“Sugar Daddy”), escrita por Bono e The Edge (U2), que também dão uma ajuda instrumental, pretende ser mais um retrato do artista “no seu tempo” que um diagnóstico ao seu actual estado.
Aos 68, quase 69, Tom Jones regressa pela enésima vez, agora para surfar a onda das Amy Winehouse que por aí andam a copiar aquilo que ele sempre foi. Soul, R&B, orquestrações luxuosas, grande pedalada, balada de fazer chorar as pedras da calçada, tudo isso e um charme arrasador, a raiar a provocação sexual.
O velho Tom, quase 69, regressa em grande forma… menos na voz. No vozeirão com que enchia as tais baladas e coisas mais aceleradas. Agora, é ouvi-lo no limbo, por exemplo, em “We Got Love” ou “Give a Little Love”.
Mas, se, aos quase 69, lhe falha a potência (!) da voz, onde está então o encanto? Na produção, precisamente. Este é um daqueles discos em que se recupera todo o esplendor do passado (comparem a entrada de “If He Should Ever Leave You” com a abertura de “Love Boat”, ou o electrizante “In Style And Rhythm” com “Sex Bomb”), apoiado agora nos múltiplos recursos existentes. Os Future Cut (produtores de, por exemplo, Lili Allen ou Estelle) conseguem o milagre de condensar num só disco sonoridades que fizeram os tops nas últimas quatro décadas.
Este é um daqueles discos que começa por se ouvir com desconfiança (que raio de capa… cheia de fumos) e que, depois, não se consegue largar. Ah, se a voz ainda lá estivesse toda!

Simply Red - 25, The Greatest Hits ****

Bem-vindos, então, ao quatro best of da carreira dos Simply Red. Mais precisamente àquele que, chamando-se apropriadamente Greatest Hits (como o de 1996), se destina a comemorar o 25.º aniversário de uma das bandas que melhor soube misturar a soul com a pop, daí retirando o óbvio sucesso.
O duplo CD (há também uma edição com mais um DVD) serve ainda de apoio a uma digressão mundial, que começou há dias e que deverá prolongar-se até ao Verão de 2010 (!). Para já, o palco mais perto de Lisboa é o Olympia, de Paris, mas certamente que se arranjará uma data para Lisboa ou coisa assim.
Depois do disco de Abril de 2007 (Stay) e de uma muito interessante aventura (Tribute to Bobby, 2008) do vocalista Mick Hucknall pela música de raiz negra, que é uma das matrizes dos Simply Red, esperava-se por esta altura obra nova e não apenas mais uma compilação.
Porém, o melhor que a banda consegue apresentar é uma nova versão de “Go Now”… dos Moody Blues, revestida com a obrigatória batida negra.
Os Simply Red, sejamos sinceros, são excelentes nos slows, próprios ou alheios, e muitas das suas ascensões aos tops foram feitas à custa de remakes. Veja-se, por exemplo, “If You Don’t Know Me By Now” (dos Blue Notes), ou a versão adocicada de “Every Time We Say Goodbye”.
Mas também convidam a danças mais animadas, como em “Stars” ou “The Right Thing”, ou até no reaggae “Night Nurse”, canções que fizeram as delícias da rádio nas últimas décadas.
O alinhamento deste duplo CD foge à ordem cronológica, o que no caso é completamente indiferente – apesar de ter tido várias configurações ao longo do tempo, a marca de água é a voz e o estilo, meio romântico meio balanceado, de Hucknall. E esse parece claramente em forma.

The Doors - Live at The Matrix 1967 *****

O que mais impressiona neste disco é a contradição entre o empenho dos artistas e a indiferença do público. Estávamos na Primavera de 1967, na São Francisco dos hippies e, numa pequena sala da cidade, actuava uma banda de Los Angeles que de hippie pouco ou nada tinha. Ao binómio peace and love, os Doors tinham respondido, no primeiro disco, editado no início do ano, com mais sombras que sol. Na tal sala, o Matrix, deveriam estar meia dúzia de pessoas, incapazes de adivinhar que, daí a poucos meses, um single (“Light My Fire”), retirado do tal primeiro disco, subiria pelos tops abrindo caminho ao mito.
Nas quatro sessões ao vivo que deram origem a este duplo CD, os Doors executam quase todo o primeiro disco, mas também o segundo (Strange Days), que veria a luz do dia no final do ano. E cantam ainda um tema que só aparecerá muito mais tarde (“Summer’s Almost Gone”), além de uma versão (“Get Out My Life Woman”) que não aparece em mais nenhum disco. Há até uma versão instrumental de “Summertime”. Tudo isto circulou durante muitos anos em discos pirata, até que a Rhino, que tem estado a trabalhar gravações raras dos Doors, resolveu fazer uma edição legal, com um som mais que aceitável.
Pormenores técnicos e equívocos do público à parte, a verdade é que estamos perante um concerto memorável de uma das bandas mais importantes do rock. O som do grupo estava já amadurecido, muito centrado nas teclas de Ray Manzareck, a tendência para o improviso era já patente, e a voz de Jim Morrison estava em pleno, entre o sensual e o descontrolado, embora ainda longe da demência que viria a atingir, o que, no caso, talvez seja uma vantagem (a versão bem diferente de “The End” é fantástica). Um disco essencial para fãs, mas que pode ser uma excelente entrada para os outros.

Josh Rouse - The Best of The Rykodisc Years ****

Quando Josh Rouse lançou o seu primeiro disco (Dressed Up Like Nebraska), em 1998, a Rolling Stone apresentou-o aos seus leitores como o cruzamento entre Tom Petty e Morrissey. Não está mal visto, até porque, embora se considere especialmente fascinado pelos seus ídolos britânicos de juventude (os Smiths, os Cure…), e isso nota-se bem em muitas das suas canções, Josh Rouse não deixa de assumir um cunho claramente americano em tudo o que faz. São, de resto, conhecidas as boas relações que mantém com Kurt Wagner (Lambchop), um dos gurus do country alternativo, com quem chegou a gravar um EP (uma das canções, “65”, está neste disco).
Este duplo CD é a sua primeira antologia e cobre os oito anos em que gravou para a Rykodisc. Depois, Rouse divorciou-me, mudou de editora e fixou residência aqui ao lado, em Espanha. Os temas desses seis discos foram escolhidos pelo próprio, assim como os extras que constam do segundo CD – basicamente, as canções de um EP chamado Bedroom Classics (2001), mais umas tantas demos e outtakes. Digamos que Rouse arruma relativamente bem nestes dois CD uma boa parte da sua vida. O destaque vai, é claro, para Nashville (2004), geralmente considerado o seu melhor disco.
A música, para quem não conhece, enquadra-se naquilo a que algumas pessoas chamam de pop-rock adulto. Ou seja, canções bem escritas, bem produzidas, bem interpretadas. Canções de amor, de encontros e desencontros. Tudo muito certinho, nada de grandes emoções. Pena que esse registo se mantenha no disco de extras, onde se esperaria algum experimentalismo, ou alguma aventura por territórios menos óbvios, fosse em canções próprias ou em versões.