Rita Redshoes, Teatro Tivoli, 23 Fev


Um dos aspectos mais interessantes do último disco de Rita Redshoes é o permanente paradoxo. Nunca, como em “Her”, as canções foram tão luminosas, e, no entanto... no entanto, há uma suave melancolia que se infiltra em cada ruga desses sorrisos. 
Outro paradoxo? A simplicidade das melodias que nos apetece cantarolar de imediato esconde, na realidade, um trabalho de composição de uma complexidade de quem já domina os cantos à coisa. E depois há o paradoxo, digamos assim, do canto em português cantado por uma portuguesa de quem só conhecíamos ainda a versão anglo-saxónica. 
Victor Van Vugt, produtor, e Knox Chandler, que tratou dos arranjos de cordas do disco lançado em Novembro de 2016, reflectem sobre esses aspectos (aparentemente) contraditórios, nos webisodes criados para o lançamento de “Her” e que podem ser encontrados na Net. 
Os músicos, a sua qualidade e experiência, foram uma das apostas ganhas desta quarta gravação de Rita, num trabalho de densidade estética e técnica raramente vistas entre nós. 
É, pois, com o peso de toda essa responsabilidade que a compositora e cantora se apresenta agora em concerto nas nossas duas grandes cidades. Trabalho, diga-se, relativamente facilitado pela primeira parte da digressão, realizada, ainda o ano passado, em pequenas cidades portuguesas. 
O palco vai ser dominado por um quarteto de cordas, a que se juntam a secção rítmica (baixo/bateria) e o piano da própria. O mais certo é que consigam reencarnar o som e espírito do disco. 
Uma dúvida: irá Rita mostrar o “Heroes”, de Bowie, que gravou para disco de David Fonseca?

David Fonseca - Bowie 70 ***

A gravação de versões serve, normalmente, para que o homenageador mostre ao mundo como o seu estilo interpretativo se mescla com o ADN dos originais. Se um músico de jazz faz uma versão dos Beatles esperamos uma versão jazzística dos de Liverpool. Simples: despe-se a canção das roupas originais e cola-se-lhe à pele uma outra indumentária. Com Bowie há, porém, uma dificuldade: ele deixou marca como autor e intérprete, mas as suas canções foram também fazendo história pela pose, traduzida na produção. É, por exemplo, difícil imaginar “Absolute Beginners” sem o “pam-pam-paroum” do coro masculino, ou até sem a cascata de piano... Não estando na pauta, aquilo faz parte da canção. Que fazer, então? Talvez numa versão que mantenha algumas daquelas peças no sítio e recomponha a cena. Ou talvez, mais radicalmente, inventando algo completamente novo sobre a canção original. O disco de David Fonseca não faz uma coisa, nem outra. O músico, que toca todos os instrumentos à excepção das cordas, como que equalizou as canções, numa massa sonora muito similar ao longo do disco, sem lugar à surpresa. Os cantores, um por canção, trazem o seu estilo interpretativo, mas nenhuma das canções, nunca pretendendo reproduzir o original, consegue descolar para algo de inovador, à la Bowie. Ou seja, versões competentes, mas (demasiado) bem-comportadas. Por exemplo, “Absolute Beginners”. A cortina instrumental é densa e arrastada, o que as cordas só acentuam, e Tiago Bettencourt tem a voz que tem e nunca arranha lá em cima, como Bowie tantas vezes fazia. Felizmente, o fado de Ana Moura toma conta da cena em “The Man Who Sold the World”, Reininho é vintage em “Where Are We Now” e – sim – o próprio David Fonseca é um belo Bowie em “Lazarus”.

Dead Man Winter - Furnace ****

Poderia chamar-se Clube dos Músicos Solitários. Involuntariamente solitários, desesperadamente solitários, temporariamente solitários. Músicos que sublimam a dor da separação em discos inteiros de ir às lágrimas e, às vezes, de redenção. Dave Simonett, o mais recente membro do clube, explica a razão: ou deitava tudo cá para fora agora, ou andaria o resto da vida a cantar isto (já quase todos sabemos que não é bem assim...). Desiludam-se, porém, se vêm aqui à procura de lamúria em baladas arrastadas. As letras são amargas (“I’m full of shit”), mas a música é da boa e, de certa maneira, animadora (“Red Wing Blue Wing”, da qual consta o verso citado). Há mais de uma década que Simonett liderava a banda de bluegrass Trampled by Turtles, mas esta é a segunda aventura sob a asa dos Dead Man Winter. Byrds, Band e Dylan são as influências mais evidentes. Musicalmente, a separação fez-lhe bem. O resto sara mais depressa do que parece.

Simple Minds - Acoustic **

O formato acústico (unplugged, em inglês da MTV) é especialmente interessante quando dá a ouvir versões stripped-down (despidas, em português) de canções que conhecemos na sua forma, não apenas eléctrica, mas também orquestrada e muito perfeitinha. Ou seja, o elogio da simplicidade. Exemplos clássicos? REM e Nirvana. Já os Simple Minds acabam de inventar um novo conceito: as versões acústicas dos seus grandes temas surgem aqui envoltos em camadas e camadas de instrumentos, com destaque para as percussões e as guitarras. Uma espécie de mil folhas musical, açucarado com reverberações abundantes e alguma electrónica mal escondida, a criar um efeito de estádio de trazer por casa, entendendo-se por casa aqueles leitores de CD rodeados de colunas 5 por 1 e o diabo a sete. E, é claro, quem disser que isto lhe soa terrivelmente a qualquer coisa, essa coisa chama-se Mumford & Sons, recordistas de vendas nos últimos anos. Mentes simples? Ah ah...

The Molochs - America’s Velvet Glory ***

Na contracapa, à antiga, recomenda-se: para fãs dos Violent Femmes, Bob Dylan, The Modern Lovers, Mac DeMarco, Real Estate, Lou Reed & The Velvet Underground. A enumeração dá pistas, mas baralha bastante. Dos VU há uma citação evidente em “New York”, dos Modern Lovers há a atmosfera de garagem, mas para Dylan nem uma vénia sobra. Este é um disco de assumidas influências, mas elas andam muito mais perto dos Stones (“No More Cryin’” parece saído de Aftermath), ou até dos Pink Floyd de Barrett (“Charlie’s Lips”). O disco, na realidade, poderia ter sido gravado em 1965, tal é o descaramento com que assume a sonoridade daqueles dias de beat, garagem e psicadelismo. Lucas Fitzsimons, com uma biografia à maneira (nascimento em Buenos Aires, juventude em LA com guitarra encontrada aos 12, viagem à Índia a coroar a adolescência) é a alma de tudo. Vamos ter que esperar por uma segunda aventura para perceber se o ano de 65 é ponto de partida, ou se não sai disso mesmo.