Minta & The Brook Trout - Slow ****

Se o blues tivesse nascido nas margens do Mediterrâneo, provavelmente seria assim, ainda mais indolente, da calma que vem do calor, do céu azul, e das noites abafadas e brisas imaginadas. Se a folk americana tivesse nascido nas margens do Mediterrâneo, etc., etc.. As influências de Francisca Cortesão, autora destes onze temas, cantora, multi-instrumentista, com especial predilecção pelas guitarras, produtora e alma dos Minta & The Brook Trout (designação inspirada em Virginia Woolf e Sufjan Stevens), são clara e assumidamente anglo-saxónicas, especialmente americanas, mais concretamente os blues e o folk. Este é terceiro disco de longa duração da banda (homónino, em 2009, e Olympia, em 2012) e assinala algumas mudanças no elenco - a Francisca, Mariana Ricardo e Nuno Pessoa, juntam-se agora Bruno Pernadas (guitarra) e Margarida Campelo (teclas). O título deste CD, Slow, dizem eles, resulta do longo tempo que levou a fazer, mas aplica-se na perfeição ao tipo de música que desde sempre praticam. Uma música serena, sem pressas, extremamente contida, mesmo quando - como acontece mais que uma vez neste disco - o apelo à dança seja por demais evidente (por exemplo, em "Bangles", ou "Sand"). Trata-se, muitas vezes, de uma lentidão apenas aparente, que deriva mais da indolência da voz principal e da contenção instrumental, que do próprio ritmo interno das canções (por exemplo, "I Can't Handle The Summer" seria toda outra canção se a banda quisesse, digamos, soltar a franga...). Falta, talvez, uma ou outra ocasião em que banda solte o ritmo e o deixe fazer a festa. Porque temas lindos de morrer já por aqui há muitos, como "Old Habits", recuperado do projecto paralelo They're Heading West, mas aqui numa versão etérea e particularmente feliz.

Patti Smith - M Train ****



"Do que perdi e não consigo encontrar, lembro-me. O que não posso ver, procuro que venha ter comigo. Trabalhando dentro de uma sucessiva corrente de impulsos, tentando aproximar-me de alguma iluminação" (do último capítulo, A hora do meio-dia), É assim o mais recente livro de Patti Smith, uma viagem no tempo pela sua paisagem íntima. Um laborioso trabalho de construção da memória. O relato do naufrágio que é a vida, com a sua incessante peregrinação de perdas, como se esse reconhecimento fosse essencial para que tudo faça sentido. 

É um livro bem diferente do anterior, Apenas Miúdos, com o qual a sua escrita ganhou notoriedade e, à semelhança deste, recebeu prémios literários e outras distinções. Nesse, havia um fio condutor, a sua relação com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, e era à volta dessa relação que tudo acontecia, especialmente a explosão cultural alternativa na Nova Iorque do dealbar dos anos setenta. Nesse sentido, esse livro, sendo de memórias - um requiem, como a autora se refere a estes seus exercícios memorialisticos -, aproxima-se mais do romance, de uma narrativa. Agora, é simplesmente a memória a trabalhar em roda viva. Daí a letra M do título. Como quando pensamos em algo, que nos traz à memória outra memória e assim sucessivamente.

O livro começa num café de Greenwich Village - e há muitos mais cafés no livro, locais privilegiados de libertação do pensamento -, que evoca à autora o sonho de ter um café próprio, e depois uma viagem à Guiana Francesa, com o marido Fred Sonic Smith, entretanto falecido e que é outro traço de união destas histórias, em busca de pedras e terra para oferecer a Jean Genet - os escritores franceses, outra da suas predilecções. Depois deste capítulo, outras duas dezenas de "árias" se lhe seguem no mesmo registo. Este não é um livro em que música surja em primeiro plano, ou sequer em segundo, como no anterior. E Patti Smith nem gosta muito de se apresentar como música, preferindo a escrita como inclinação dominante. Mas a sua escrita, inserindo-se embora numa corrente muito americana da literatura, que cruza o descritivo seco, imagético, com o onírico e o lírico, deve à sua actividade mais conhecida uma muito evidente musicalidade. Como se estes livros pudessem ser declamados, a par do que frequentemente faz nos discos e, especialmente, nos concertos. E talvez seja essa musicalidade um dos segredos do seu sucesso editorial, a par da capacidade de nos mostrar e fazer transportar para locais e histórias.

Sean Riley and The Slowriders ****

Aquela simulação electrónica de cravo - sim, cravo - é talvez demasiado evidente, em "Swimming Pool Blues". A banda de Coimbra, mas de raízes musicais assentes em solo americano, assume agora uma sonoridade grandiloquente, quase barroca, a pedir palco grande. Este é o quarto disco do grupo liderado por Afonso Rodrigues, após um longo silêncio (a última gravação é de 2011 - "It's Been a Long Night"). E se as tais raízes estão sempre presentes, já que a base de tudo continua a ser um blues evoluído e a guitarra o seu intérprete, os quatro músicos soltam-se agora mais no acabamento das canções, gerando, apesar disso, um disco extremamente homogéneo. O elo de ligação mais evidente é a tensão criada pela cadência rítmica, mas também pela interpretação vocal. Essa tensão sonora não prejudica, porém, o lirismo que continua a ser uma das suas marcas de água, como fica bem evidente em "Díli", o single de lançamento do CD.