M. Ward - More Rain *****

Talvez se perceba melhor ouvindo o que M. Ward escreve e produz para a colaboração que mantém com Zooey Deschanel nos She & Him - são canções que vivem noutro tempo (anos 50, 60), mas que se salvam do puro kitsch através de uma intangível aura de intemporalidade. Assim é, também, a solo. No caso, o material de referência é da mesma época, mas, em vez de Burt Bacharach, temos o rockabilly ("Time Won't Wait Up") e o doo-wop ("Little Baby"). Este oitavo exercício a solo, depois do belo e melancólico "The Wasteland Companion" (2012), é assumidamente retro, cortando de alguma forma as amarras da country, mas é igualmente muito mais luminoso que o seu antecedente. Há ainda baladas intimistas ("I'm Listening", que até poderia ser gravado com Deschanel), mas são as canções mais expansivas que marcam o disco, seja "Confession", ou "Girl From Conejo Valley". Algures, o autor resumiu bem a ideia: num mundo tão cinzento, a música pode ser a salvação.

Lucinda Williams - The Ghosts of Highway 20 ****

Para quê cantar naufrágios, se não para afirmarmos a nossa condição de sobreviventes? Lucinda Williams é, desse ponto de vista, uma sobrevivente persistente. De naufrágios de alma, principalmente. Fá-lo há quatro décadas, com uma voz em que, por vezes, a dor se confunde com sensualidade; uma intensidade poética muito pouco comum; e um cruzamento de country e blues que, bastas vezes, evoca Springsteen (de quem, aliás, interpreta aqui "Factory"). A atestar a fase particularmente criativa em que se encontra, o facto de este ser o seu segundo duplo em dois anos e de estarmos perante algumas das suas melhores canções. Temas como a morte ("Death Came" e "Doors of Heaven"), ou as memórias que queremos esquecer ("Bitter Memory" ou "Close the Door on Love"), atravessam todo o disco, que, apesar disso - a tal sobrevivência... -, não resulta tão negro como se esperaria. Registo ainda para o fabuloso trabalho de guitarras (Bill Frisell e Greg Leisz), em diálogo omnipresente com a voz.