Beach House - Depression Cherry ****

Numa das canções, Victoria Legrand canta "Terna é a noite para um coração partido". E está feita a declaração de princípios dos Beach House. A exaltação da melancolia. O elogio da tristeza. A doçura do amargo. O fogo que arde e que se vê. E que dói e a gente gosta. É uma música que trai os menos avisados: aquela voz onírica, as teclas planantes, as guitarras encantatórias, as caixas de ritmos dançantes, tudo nos apela a entrar num universo de aparente luz, mas no qual, afinal, há territórios devastados, corações abandonados, um nó na garganta. E é também uma música de enorme intimidade, quase gravada num acolhedor quarto de dormir, "lo-fi" em "low cost", mas que, simultaneamente, ecoa em espaços abertos, na vastidão árida dos grandes desertos, ou nas noites de neon das avenidas. Este disco acentua, aliás, esse sentimento de objecto doméstico, gravado a dois, para ser ouvido nos auscultadores ou, na pior das hipóteses, num espaço acolhedor. É como um movimento de regressão face aos dois últimos discos, 'Teen Dream' (2010) e "Bloom" (2012), em que algumas canções ("Norway", "Zebra" ou "Myth") indiciavam um pré-pop à beira da luz. Agora, "Space Song" e, menos, "PPP" ainda prolongam esse gesto, mas todos os outros temas são um novo fechar na concha, como que num exercício de depuração da matriz da banda. Isso, porém, não corresponde a qualquer fechamento estilístico, antes pelo contrário. Nessa matriz cabem momentos de grande sensualidade rítmica (imagina-se uma dança do ventre ao som de "10:37"), e outros de planura melódica, em que é difícil perceber onde acabam as harmonias herdadas dos Beach Boys e começa o lirismo absoluto a fazer lembrar Virgina Astley ("Days of Candy"). Beach House vintage? É esperar uns anos para confirmar.

Benjamim - Auto Rádio ****

E se no meio de uma declaração de amor, ela disser que só quer sobreviver ao Tarrafal? Essa é apenas uma das perplexidades do primeiro disco de Benjamim, anteriormente conhecido por Walter, mas que na realidade é Luís Nunes, ex-londrino e actual habitante de Alvito. Perplexidade pelas vastas referências ao tempo e contexto do colonialismo ("O Quinito Foi Para a Guiné"), num projecto que muito claramente se destina a gerações que desse tempo não têm qualquer memória. Esta é uma música que cruza a pop muito bem disposta (a tal "Tarrafal", ou "Os Teus Passos"), com a electrónica ("Sintoniza" e os omnipresentes sintetizadores), ou mesmo o canto de intervenção ("Sangue" respira José Afonso por todos os poros) e algum afro-tropicalismo (a recuperação de "Rosie", de Fausto). Estamos perante uma aposta estética e conceptual arriscada, obviamente de elogiar, tanto mais que se ouve muito bem. A dúvida está no mercado.

Fred Abbott - Serious Poke***

"It's 4 AM in a parking lot / the city sleeps but we do not". Começa assim e, pronto. Estamos lançados para pouco mais de meia hora de puro rock de estilo americano. Guitarras, baixo, guitarras, bateria e guitarras. Os grandes espaços da América, as motas e os carros, a noite feita para amar, os amores desfeitos. A mitologia em canções descomplexadas, directas, curtas. Quem gosta de Tom Petty ou do Springsteen inicial nem vai sentir a diferença. Mesmo esses talvez sussurrem: eh pá, então não há mais? Não, não há. O primeiro disco de Fred Abbott é mesmo assim, o que compras é o que levas. Muito deste material já tinha circulado nos bastidores de Noah and The Whale e, agora que a banda parece ter implodido, Fred foi o primeiro a emergir a solo, numa aventura a que os ex-companheiros dão uma mãozinha. Claro que vai ser preciso esperar pela sequela para percebermos se a falta de ambição resulta da urgência ou se é mesmo um modo de vida.