Florence + The Machine - How Big, How Blue, How Beautiful ***

E, no entanto, move-se. A metáfora telúrica assenta que nem uma luva a Florence e à evidente inflexão que este seu terceiro disco representa. O pendor gótico e tribal dá agora lugar a uma espécie de soul acelerada, em que as guitarras, e por vezes os metais substituem os gongos e, parcialmente, as teclas em registo gongórico. Por via dessa descompressão instrumental, a própria voz de Florence parece ter encontrado um registo um tudo-nada mais sereno, o que, no caso, é altamente relevante, tendo em conta todo um passado de gritaria intensa. Particularmente representativo desta mutação é o tema que dá título ao disco e que, ao contrário do que seria habitual, não evolui para a explosão, mas, antes, evolui sempre dentro de uma extraordinária contenção. O mesmo com as baladas, em que Florence resiste à tentação do exagero vocal. A temática, essa, continua enredada em fantasmas e naufrágios no feminino.

LLoyd Cole and The Commotions - Collected Recordings 1983-1989 ****

Retrato de LLoyd enquanto jovem artista

A história, oficial e de bastidores, da curta vida dos Commotions, em 5 discos e um DVD. Manuel Morgado ouviu a caixa que consagra o início da carreira de Lloyd Cole

1984, além de ser o título de um famoso livro mais ou menos apocalíptico, foi um ano de boa colheita para a música pop-rock. O mundo, ao contrário do que previa George Orwell na tal obra, não caminhava para qualquer totalitarismo - visto de 2015, estava até em rumo bem recomendável -, e a indústria musical rejubilava com um novo formato: nos EUA, Springsteen lançava "Born in the USA", o seu primeiro disco a sair originalmente em CD. Na Grã-Bretanha, os Smiths lançavam o seu primeiro LP. Começar um texto sobre Lloyd Cole mencionando George Orwell, eis algo que o próprio Lloyd não desdenharia. No disco de estreia - sim, em 1984 - há referências a Simone de Beauvoir, Eve Marie Saint, Norman Mailer, etc, etc. O estudante de filosofia, acabado de chegar de Glasgow, exibia-se com toda a sua cultura, de forma um tanto petulante, apenas suportável porque a doseava com aquela fina ironia que apenas os britânicos cultos conseguem praticar. Nos seus 36 minutos, distribuídos por 10 canções, "Rattlesnakes" revelava uma banda com uma abordagem muito profissional e plena de energia e um autor e compositor de primeira água. "Perfect Skin" foi o primeiro single, mas "Forest Fire" e "Are You Ready to Be Heartbroken" não a deixariam sozinha nas preferência da crítica e do público. Sobre uma base musical pop, ancorada nas tradições folk/country e R&B, Lloyd Cole cantava - e ainda hoje o faz... - os triviais amores e desamores, filtrados pela tal intelectualidade irónica e um tanto cínica. A vitalidade desse primeiro disco seria adocicada nas gravações seguintes: "Easy Pieces" (86) e , especialmente, "Mainstream" (87). Entregues a produtores mais centrados no mercado, acabaram sem a espontaneidade da primeira obra. Mesmo assim, há neles canções perfeitamente incontornáveis, como "Brand New Friend", "From the Hip", ou "Jennifer She Said". Após uma digressão europeia, a banda acabaria por se separar (1989) e o líder prosseguiu uma carreira a solo, que tem alternado momentos discretos com outros mais exuberantes. A caixa que agora recupera a obra da banda contempla a versão integral dos três discos originais, sujeitos a uma suave remasterização, e junta-lhe outros dois, nos quais podemos ouvir lados B dos singles, gravações caseiras e alguns inéditos. Nada de muito surpreendente, porém. Confirma-se, por exemplo, o acerto da decisão de não ter feito da primeira versão de "Down at the Mission" o primeiro single, visto que se trata de um tema mais alinhado com a típica música dos anos oitenta e, logo, menos surpreendente e interessante. A caixa tem ainda uma colecção de fotos, um pequeno livro com um ensaio/reportagem sobre a história da banda, e um DVD com os clips originais e as passagens pela BBC. Muito interessante, não apenas porque este material tem estado fora do Youtube, mas também pela referência estética àqueles anos e pela oportunidade de vermos como os Commotions eram, de facto, bons músicos. Tudo combinado, é uma nova luz sobre a importância de alguém que nem sempre se tem dado bem com os tops, nem é propriamente influente, mas que pratica uma música confiável e com alguns momentos de grande criatividade. E que tem em Portugal uma das principais bases de fãs.

Márcia - Quarto Crescente ****

"A Insatisfação" é certamente uma das canções mais bonitas dos últimos anos da música portuguesa. Com todo o peso que a palavra "bonita" transporta, ou seja, o lado ligeiro do belo. Na verdade, pop do bom: música alegre, quase dançante, instrumentos cristalinos (belíssimos, os sublinhados de guitarra ou de percussão), um coro sublime. E, no entanto, não deixa de ser uma canção triste, que a letra não a deixa mentir. E todo o disco é um pouco assim, um paradoxo de música luminosa cruzada com reflexões e sentimentos melancólicos, marca de água da autora. A produção de Dadi Carvalho (Marisa Monte, Caetano) será a principal responsável por puxar a música para o lado solar, embora passando sempre ao largo de tentações tropicalistas, nem mesmo no dueto com Criolo, em "Linha de Ferro". Com um extrema, mas certeira, delicadeza, a base hip-hop da generalidade das canções é sublinhada por apontamentos de coros, guitarras, teclas, percussões. Um disco belo e seguro.

Of Monsters and Men - Beneath The Sun **

Claro que a culpa é dos Arcade Fire. Um sucesso daqueles só poderia dar nisto: uma cópia. Islandesa para não abusar muito da boa vontade dos canadianos. O problema é que a música dos Arcade Fire não é apenas aquela marca, aquele estilo. Pelo contrário, como mostrou o seu último disco, parece estar em permanente expansão. Ora estes rapazes e raparigas (sim, a cópia chega aí...) fazem exactamente o contrário. Ao segundo disco, já todos percebemos que a sua música anda em círculos, incapaz de se reinventar. Todas as canções, sem excepção, assentam na mesma estrutura rítmica, evoluem da mesma forma, aspiram a uma espécie de ópera para as massas dos festivais. A tendência da vocalista para imitar a estridência de Florence + The Machine também não ajuda muito. Mesmo os temas que começam mais calmos, como "Thousand Eyes", acabam por se desenvolver da mesma forma, o que torna a audição particularmente desinteressante.

Jason Isbell - Something More Than Free ****

O quinto disco de estúdio de Jason Isbell é ainda, obviamente, um exercício essencialmente country, mas todo ele respira também já um muito evidente ar pop. Não será por acaso: a pop assenta bem a canções bem mais luminosas que as de "Southeastern" (2013), ainda dominado pela recuperação do alcoolismo por que passou o autor, ex-membro dos Drive-By Truckers. Aqui, a exuberância da banda marca o ritmo, com muito pouco espaço para a melancolia ("To a Band That I Loved") ou mesmo para as naturais referências ao som do sul dos EUA ("Palmetto Rose"). As canções, mais que histórias, mostram-nos quadros, instantâneos, a partir dos quais se retiram conclusões, mais filosóficas que moralistas. É assim com a solidão a dois no balcão de um bar ("Flagship"), ou com o caso da mãe adolescente ("Children of Children"). "How To Forget" é o hit instantâneo, "24 Frames" é, talvez, o tema mais conseguido do disco.