Tape Junk - Tape Junk ****

Ainda um dia se há-de fazer justiça à enorme influência dos Kinks em gerações e gerações de músicos dos dois lados do Atlântico. "Substance", que abre este segundo disco dos Tape Junk, é disso um exemplo. Pela sonoridade, mas também pela atitude, que volta a sentir-se, por exemplo, em "All My Money Ran Out", de uma indisfarçável alegria, mesmo que por vezes ácida. Há, é claro, influências em cadeia, que viajam por Beck e Jack White, por exemplo, como se pode ouvir em "Scratch and Bite". Adivinhar as influências ajuda a perceber o DNA de uma música gravada no Alentejo, serve talvez para perceber o que andaram a ouvir os músicos. Apenas isso. Porque a música dos Tape Junk é surpreendentemente coerente e, de certa forma, original e descomplexada na forma como articula e integra as inevitáveis inspirações. Os Tape Junk são um projecto de João Correia (Julie & The Carjackers), em que participa Frankie Chavez. Este disco foi produzido por Luís Nunes (ex-Walter Benjamin). 

Mark Knopfler - EDP Cool Jazz, Parque dos Poetas


Mark Knopfler é um resistente e, a avaliar pela legião de fãs que o acompanha nos discos e concertos, tem razões para isso. É um resistente porque não há-de ser nada fácil, para quem inventou um estilo tão característico, manter-se fiel, fazendo orelhas moucas às muitas reviravoltas da cena musical. E o que é o estilo Knopfler? A guitarra, sim, aquele dedilhar característico herdado dos blues, mas também o ambiente de folk atmosférico, som cristalino, a enquadrar uma voz que nada deve a Dylan no timbre anasalado e pastoso. Eram assim os Dire Straits, em meados dos anos 70 quando irromperam num mundo rendido ao punk, eram assim, uma década depois, faz agora 30 anos, quando lançaram o mega sucesso global "Brothers in Arms", e é ainda assim Mark Knopfler, ao oitavo disco da sua carreia a solo, "Tracker", a base do concerto que o traz a Portugal, no âmbito de uma longa digressão europeia, a anteceder mais uma ronda americana. Em "Tracker", como já antes, no duplo "Privateer" (2012), recupera muita da sonoridade, mas especialmente, do espírito da banda que lhe deu fama. São discos de histórias feitas canções, escritas por um verdadeiro escritor de canções, interpretadas pelos velhos amigos de estrada (sete em palco), no tal registo que começa no folk de raiz celta e acaba em sonoridades jazzísticas, com pop, country e blues pelo meio. Claro que estes discos, especialmente o de 2015, dominam a apresentação, com "Broken Bones" a abrir e a dar o tom, mas haverá certamente lugar para uma romagem ao passado, com o inevitável "Sultans of Swing", "Romeo and Juliet", ou "So Far Away". É uma música que não fascina pela surpresa, mas antes pela segurança própria dos experientes. Se calhar, a música é capaz de ser uma boa âncora para enfrentar um mundo em tão grande agitação.

Mika - No Place in Heaven ****

À quarta canção deste disco, enquanto o refrão pergunta por onde andarão todos os "good guys", Mika prefere interrogar-se sobre o paradeiro dos "gay guys". Como quem diz: foram-se todos embora e deixaram-me aqui sozinho... Pouco importa, porém, quem está ou não está. O tempo é de festa, como sempre com Mika. Pouco importa que a mãe tivesse preferido outro tipo de rapaz ("All She Wants"), ou que o pai ache que ele não tem salvação ("No Place in Heaven"), ou mesmo que o fim do mundo espreite à esquina ("Last Party"). O que interessa mesmo é nunca parar de dançar, lançar serpentinas, ou mesmo citar canções de outros ("I Can't Stop Losing You", dos Police, em "Hurts"). Mika tem um apuradíssimo sentido do espectáculo, todas as canções parecem imaginadas para o palco, e, ao quarto disco, já não restam dúvidas de que esse lado teatral se apoia num sólida escrita de canções. Alegres e coloridas, como as capas dos discos.

The Mountain Goats - Beat the Champ ****

Moby Dick, o livro, é uma obra-prima, mas é preciso gostar muito de baleias para perceber a profundidade da coisa. Este disco, embora seja muito bom, não é nenhuma obra-prima, mas quem gostar de wrestling é capaz de lhe achar muita graça. As parecenças com a literatura não acabam por aqui. Os Mountain Goats são, essencialmente, um projecto de John Darnielle, um tal contador de histórias que a última coisa que fez antes deste disco foi lançar um muito aclamado romance, Wolf In White Van. Este disco, como muitos dos anteriores - duas dezenas em duas décadas, já para não falar das cassetes e outro expedientes -, é uma colecção de histórias. No caso, dos heróis do wrestling que povoam as memórias de infância de Darnielle. A estrutura musical parte da folk, mas espraia-se pela electricidade e pelo jazz. A excessiva teatralização de alguns temas talvez seja o lado menos interessante da aventura.

Muse - Drones ***

O tema que encerra o disco, e que lhe dá nome, é uma peça a capella, apenas com a voz de Matthew Bellamy replicada dezenas de vezes (a ficha técnica faz questão de salientar o acto a solo), que recupera o "Sanctus et Benedictus", de Palestrina (séc XVI). E reza, literalmente, assim: "Minha mãe, meu pai, minha irmã e meu irmão, meu filho e minha filha, mortos pelos drones". Pois é, uma carnificina. Os Muse especializaram-se nestas coisas meio diabólicas, meio apocalípticas, em registo a atirar para o operático cruzado de heavy metal básico (como se houvesse outro). São coisas do fim do mundo, ou do outro mundo, se quisermos. O problema de tudo isto é a extraordinária pompa associada. Porque os Muse não estão para brincadeiras, as fábulas de guerra e horror comportam insondáveis pressupostos filosóficos. Levam-se demasiado a sério, é isso. A longa citação de Morricone a abrir "Globalist" era suficiente, e até teria alguma graça, se mais à frente o tema não descambasse numa mini-ópera, a que não faltam uns minutos de recriação de Elgar. O resto é o trio (guitarra-baixo-bateria) do costume, às vezes acompanhado por teclas e outros ornamentos, sempre em cadência sincopada, cada canção seu "riff" de guitarra, por vezes prolongado para um solo para cumprir calendário. Às vezes, fazem lembrar Queen ("Defetor"), outras U2 ("Mercy"), ou outra coisa qualquer que soe bem em estádio ou palco principal.

Ron Sexsmith - Caroussel One ****

Ron Sexsmith especializou-se em canções de pôr a cabeça no ombro. Coisas de embalar, nos melhores dias, ou de abalar, quando a coisa dá para o torto. Fá-lo com a segurança de quem começou cedo, aos 14, e foi ouvindo pelo caminho os discos certos para a tarefa a que meteu ombros: as melodias amorosas de McCartney, a poesia mais profunda de Tim Hardin, ou a ironia ácida de Ray Davies. "Sure As the Sky", que abre o disco, poderia ser, por exemplo, dos Kinks. Já "Loving You" ou "No One" vão beber à country, influência essencial para quem pratica este tipo de música. Mas a verdade é que, aos 51 e com 14 discos no repertório, o canadiano já conseguiu cunhar um estilo muito próprio, de que este CD é um excelente exemplo. As baladas são, como se calcula, a sua praia ("Nothing Feels The Same Anymore"), mas há aqui ritmo mais que suficiente para tamborilar os dedos enquanto se ajeita o ombro onde a cabeça vai encaixar.