Leonard Cohen - Can't Forget (A Souvenir of The Grand Tour) ****

Este é o quarto disco ao vivo desde que Cohen voltou à estrada por motivos económicos (2009). Cinicamente, poder-se-ia dizer que está a fazer render o peixe. Aos 80, como se sabe, é tempo de preparar a reforma... Mas, na verdade, isto faz todo o sentido. Estes quatro discos ao vivo são até mais interessantes que os dois de estúdio que lançou entretanto (Old Ideas e Popular Problems). Digamos que esta é a fase da carreira de Cohen em que ele se descobre como animal de palco. Os concertos chegam a durar três horas, muitas canções são reencenadas e, acima de tudo, o homem diverte-se. Muito. Este CD é disso a melhor prova: metade das canções resultam de ensaios antes dos espectáculos e é aí que se sente o gozo deste conjunto de músicos ao testar novas maneiras de mostra velhas (e novas) canções. Inéditos, há dois blues. Versões de coisas alheias, também duas. O resto é Cohen vintage. O Sexo e a Idade poderia ser o título do disco.

Calexico - Edge of The Sun ****

Em "Miles from the Sea", o protagonista - sim, protagonista, as canções dos Calexico são histórias e têm protagonistas - fala de natação em sonhos, a milhas do mar. A música dos Calexico tem tudo o que cabe numa fronteira: a possibilidade de encontro, basicamente das sonoridades americana e mexicana, mas também o espectro permanente da desilusão, do desencontro. Quando te sentes em queda livre e não tens ninguém nem nada a que te agarrar, como em "Falling from the Sky", o tema de abertura, pop bem esgalhada, com uns sintetizadores muito malucos. Talvez nunca como neste disco o grupo tenha estado tão perdido, num quase frenesim de apostas. Sim, há pop, também em "Tapping on the Line", há latinidade em "Cumbia de Donde" e chega a haver reggae, em "Moon Never Rises", e há tudo muito bem costurado, como em "Beneath the City of Dreams". Há, é certo, uma sensação de falta de unidade. Mas talvez a perdição seja a bênção desta música.

Sufjan Stevens - Carrie & Lowell *****

Este disco deveria ser impossível de se ouvir. Apenas massas dissonantes de som agonizante, notas angustiadas, vozes torturadas. Há, é verdade, um tema cuja paisagem sonora se aproxima desse abismo, "Blue Bucket of Gold", a encerrar. Mas o resto é até agradável de se ouvir, se não prestarmos atenção aos fantasmas que espreitam a cada verso. Ao sétimo disco, Sufjan Stevens decidiu exorcizar a memória da mãe, alcoólica e esquizofrénica, que abandonou repetidamente os dois filhos na infância, e que morreu em 2012, com Sufjan à cabeceira rendido a um inevitável amor. Entre os dois momentos, há pouca luz e muito sofrimento, à parte umas imagens amarelecidas de idas à praia no Oregon, com a mãe e o padrasto, a Carrie e o Lowell do título. Sofrimento que passa por insistentes tentativas de suicídio e uma redenção através da fé. Paradoxalmente, os frescos que Sufjan nos mostra desta sua caminhada pelo Inferno são serenos, coloridos, quase alegres. O registo está nos antípodas dos discos que lhe conhecemos, seja no som quase sinfónico, seja na electrónica. Aqui impera a inspiração folk, em tom muito sereno e melódico, de que "Eugene" será o tema mais exemplar, na austeridade do dedilhar de uma guitarra acústica. A electrónica surge, de maneira discreta, em forma de mero sublinhado, como em "All Of Me Wants All Of You", ou mais dominante, embora subtil, como em "Fourth of July", o tema que descreve a morte da mãe. E há temas que têm de tudo um pouco, de delicadeza barroca, como "Should Have Know Better. Sufjan pode ter assinado aqui um dos melhores discos da sua já faustosa carreira, o que não deixa de ser... incómodo, se tivermos em conta a matéria prima.

Gregory Porter, Coliseu 9 de Junho


A graça de Gregory Porter está no sucesso sem concessões. Irrompeu na cena musical há cinco anos, portador de uma voz de respeito e de um estilo todo ele ancorado nas origens, e alcançou um muito razoável sucesso comercial sem abdicar dessa marca inicial, sem entrar pelas vias do delicodoce, tão comuns a parceiros desta área, ou outros truques apontados às tabelas de vendas. Quando o ouvimos, ainda ouvimos as canções de trabalho dos escravos, o gospel das igrejas americanas, o blues dos campos de algodão e das cidades do álcool, ou a soul e o R&B dos anos 50 e 60, tudo isso estruturado em torno de um jazz clássico e sofisticado. O mérito vai para a voz, claro, um barítono com grande elasticidade, também para os músicos que o acompanham – nota relevante para o saxofonista Yosuke Sato -, mas acima de tudo para as canções. A par das obrigatórias versões, Porter tem vindo a gravar alguns temas que poderão, eles próprios, vir a integrar o repertório dos grandes standards, de que “Painted on Canvas”, com que tem aberto os concertos desta digressão, será um dos melhores exemplos. Porter e a banda têm um apurado sentido do espectáculo, mas isso o público português já sabe, tal tido sido a rotação por estas bandas.

De tuk tuk no Parque


Entrei Feira adentro a bordo de um tuk-tuk. Visualizem a cena em quadrinhos de BD, sff. Gosto de imaginar a Feira como um daqueles bairros pelos quais adoramos passear nos calores de Junho e, nos dias que correm, como sabem, bairros de Lisboa só de tuk tuk. Avancemos, portanto. Antes de cheirar o primeiro livro - é verdade, várias pessoas cheiravam os livros nos alfarrabistas... -, a primeira tangente com um 'runner' (conhecem? antes faziam 'jogging'). Bela ideia. E que tal uma meia maratona Feira do Livro? E ainda antes de cheirar o primeiro livro, a primeira desilusão: este é o único bairro de Lisboa que não cheira à sardinha assada da época. Cheira a churros, cheira a cebola frita, a algodão doce e a leitão (!), mas não a sardinha. Vá lá perceber-se o preconceito. E poderia cheirar a muito mais coisas boas de chorar por mais, se as bancas tivessem cheiro. Ficamos, aliás, com a ideia de que era condição de admissão que as editoras tivessem pelo menos um livro de culinária. E há mesmo um salão de show cooking (!) ao fundo do parque - não tem nada que enganar, é mesmo ao lado do pavilhão do papel higiénico, bem nas traseiras do Marquês. De resto, a Feira cumpre o cliché e está igual a si própria. Um tédio para os intelectuais, para quem falta sempre um 'je ne sais quoi', uma excitação para casais da classe média ascensional (sim, a crise não acabou com eles) e com filhos em idade escolar que ensacam como se não houvesse amanhã. Um desses casais chegou a tentar sacar-me o tuk tuk para levar os livros. É o sacas!

Positivo: Passear e namorar nas laterais do Parque em noite amena, sob a protecção da Feira
Negativo: A inclinação do terreno, sem resolução ao fim de tantos anos. Torna o passeio cansativo. Mas a vista é bonita

Sugestões: Vale a pena consultar o site antes de ir: estão lá os livros do dia Na última hora (a partir das 22 ou das 23, conforme os dias), há editores que baixam muitos os preços