Jorge Palma - CCB, 28 Jan.


"Bairro do Amor" é um disco de viragem na carreira de Jorge Palma. Lançado em 1989, ele representa o fecho de um ciclo, iniciado em meados da década anterior. Foi uma época de descoberta, de improvisos, de grande espontaneidade. A criação de uma imagem de marca, desalinhada, inconformada, aventureira. Com "Bairro do Amor" parecia chegar uma idade mais adulta, mais pensada, menos improvisada e mais trabalhada. Era também um disco de ressaca dessa época, entre a melancolia e a necessidade de continuar. O disco revisita algumas canções antigas - por exemplo, a que dá título ao disco e que já surgira no segundo de originais, "Té Já", de 1977 - e lança pistas que serão exploradas depois - "Só" daria origem a um outro disco. Dele constam canções que acompanharão o artista para o resto da vida, repetidas em todos os espectáculos: o tema título, "Dá-me Lume", "Frágil"... Palma compõe, toma as rédeas da produção, convida amigos para acompanhar, faz tudo com tempo. Pelo meio, a sua editora recusa a ideia e o músico é obrigado a encontrar outra. Mas a aposta foi claramente ganha: "Bairro do Amor" é referido em todas as listas como um dos melhores discos de música portuguesa. Estranhamente, ou talvez não, a promessa acabou por não se cumprir e Palma manteve-se praticamente afastado dos estúdios na década seguinte. Esta comemoração dos 25 anos desse disco histórico (entretanto reeditado, com extras), em vários palcos do país, é também pretexto para celebrar uma carreira peculiar e uma voz influente da música portuguesa.

Mimicat - For You ***

A chamada música popular, em sentido lato, tem essa coisa maravilhosa: estabelecido o paradigma, basta aprender inglês e qualquer um, em qualquer parte do planeta, passa a praticante e aspira a estrela. Pop na Escandinávia, rock no Barreiro. E jazz em Coimbra, com Marisa Mena, aliás Mimicat. Após passar pelos Casino Royal, juntou-se ao produtor e arranjador Sérgio Costa (Belle Chase Hotel, Real Combo Lisbonense) para esta primeira aventura discográfica. O resultado final é satisfatório: as canções cumprem, a voz idem, os instrumentos ibidem. No entanto, da audição das 14 (!) canções pouco fica, além da competência. Não há um tema que resista no ouvido, um golpe de asa numa canção que nos prenda, uma infracção à regra que nos faça voltar atrás e tentar perceber o que se passou. Tudo demasiado linear e óbvio. E, aparentemente, material e meios até os havia. Assim, ainda corre o risco de a confundirem com a Áurea...

Robert Plant - Lullaby and The Ceaseless Roar ****

A declaração de princípios está em Raising Sand, o disco que Plant gravou, em 2007, com Alison Krauss. A vida pós-Led Zeppelin, após hesitações q.b., haverá de ter uma base folk muito evidente, camadas de electrónica não muito intrusivas e explorações étnicas variadas. Foi assim em Band of Joy (2010) e é assim agora. O mais engraçado disto tudo é que, parecendo estar a fazer diferente, e tendo mesmo resultados muito diferentes, esta não deixa de ser a boa e velha receita dos Zeppelin - parecendo outra coisa (hard, metal), na prática, o que eles praticavam era muito blues e algum folk. Exemplo perfeito desse movimento é "Pocketful of Golden", em que quase conseguimos ouvir uma actualização dos Zeppelin, mas agora com tons de trance. Ou "Turn It Up", que, apesar de começar com uma imitação perfeira de Tom Waits, rapidamente evolui para esse passado. Na prática, o que Plant está a fazer é a tornar evidente que não, não precisamos nada de ressuscitar os LZ.

Leonard Cohen - Live in Dublin ****

Poucas manifestações artísticas se assemelham tanto a uma cerimónia religiosa como os concertos de Leonard Cohen. A religião é, aliás, um tema recorrente na obra deste judeu irrequieto, errante na busca do Sublime, seja pelos caminhos explícitos da espiritualidade, seja pela via, talvez menos evidente, da música. São muitas as canções em que a inquietação religiosa se cruza e se confunde com o amor e o sexo, sendo mesmo essa uma das linhas de força da sua obra poética. Nos concertos ao vivo dos últimos anos, há uma liturgia tácita, assente em Cohen, mas que envolve músicos, coro e espectadores, que em nada fica a dever à dramaturgia dos ofícios religiosos. Na atitude do cantor, no modo como entoa de olhos fechados ou fixos no infinito, no contraponto com as coristas, na forma como pastoreia e espalha a fé, perdão, a música e a poesia entre o seu rebanho. E talvez isso nunca tenha sido tão evidente como nesta edição de 3 CD e um DVD, cada um deles com mais de três horas de música, pelas quais passam os sucessos de uma carreira. Esta edição não deixa de ser surpreendente, se tivermos em conta que se trata da terceira gravação ao vivo no espaço de cinco anos, certamente ditada pela mesma necessidade de fazer dinheiro que levou Cohen a percorrer intensamente os palcos do mundo. Esta grande rodagem ao vivo está a ter o mérito de fixar uma leitura interpretativa, especialmente na parte instrumental, de uma obra relativamente instável nesse campo. Um cânone baseado em pequenos ensembles, predominantemente acústicos, centrados na tradição americana (blues, country), mas também devedores da herança europeia (cigana, latina). A poesia, que sempre foi o forte de Cohen, encontra finalmente uma companhia musical estável.