Mirel Wagner - When The Cellar Cildren See The Light of Day ****

Embarcamos numa canção de embalar - "1, 2, 3, 4" -, mas depressa percebemos que este não é um disco para embalar meninos. O protagonista da primeira abordagem é, sim, um menino de olhos lindos, mas está debaixo de terra e da sua barriga inchada libertam-se vermes. Nada mal para começo de conversa, num disco em que os mortos, o terror, os pesadelos, o lixo, os venenos e outros horrores povoam e sufocam amores, famílias e toda e qualquer réstea de humanidade. Estas dez canções do segundo disco de Mirel Wagner pouco devem à sua ascendência etíope, herdando antes do blues a depuração de composição e interpretação. E talvez devam às paisagens agrestes da Finlândia o gelo que lhes corre na alma. A (quase) solitária guitarra ora é golpeada ("Dirt"), ora dedilhada de forma angustiada ("Dreamt of Wave") e, quando recebe companhia, ela assume a forma de fantasmagóricos coros ("Red Oak"). Não entres, então, tão afoito nesta noite escura.

Brass Wires Orchestra - Cornerstone ***

Uma pessoa ouve distraidamente o CD no carro e dá consigo a pensar: olha, os Mumford and Sons têm novo disco e ninguém avisou. Não que tal aviso tivesse relevância especial. Como, aliás, a comparação entre os Mumford e os portugueses Brass Wires Orchestra (BWO), que não é nem elogiosa nem depreciativa. É o que é. Os BWO apresentam, aliás, uma vantagem sobre os Mumford: não têm apenas uma canção, que andam a repetir há um ror de tempo... Não. Os BWO têm baladas ("Wash My Soul" e "Anchor") e coisas assim a dar mais para a festa rija ("Tears of Liberty" e "People & Humans"). E não se inspiram apenas, desculpem a repetição, nos Mumford. Não, também nos Beirut e... coisas parecidas. O projecto, que começou de forma mais ou menos despretensiosa ganhou asas, já andou lá por fora e por domésticos festivais e vê agora a luz do dia num CD de produção e edição muito cuidadas, o que é de aplaudir. E ainda bem que não têm grandes pretensões... isso, sim, seria um problema.

Marianne Faithfull - Give My Love to London ****

Dizer que Marianne Faithfull gosta de boas companhias poderia ser apenas uma piada. Mas é também uma observação pertinente quando ouvimos os seus discos após o surpreendente renascimento de Broken English (1979) e, em especial, as gravações da última década. Neste CD, Nick Cave, além de ceder músicos para o estúdio, é a presença mais marcante, com uma daquelas baladas épicas quase funerárias ("Late Victorian Holocaust") e ainda "Deep Water", em co-autoria com Marianne. A maior parte dos temas tem, aliás, letra da cantora, como "Mother Wolf", tenso e dramático, tão ao seu estilo, composto por Patrick Leonard, o parceiro mais recente das canções de Cohen (do qual surge aqui uma versão de "Goin' Home"). No campo dos originais, destaque ainda para "Sparrows Wil Sing", de Roger Waters, enquanto que nas versões avulta um "The Price of Love", blues bem mais pesado que o original dos Everly Brothers. Pedir que, com tudo isto, estivéssemos perante um disco homogéneo talvez fosse pedir de mais.

Los Waves - This Is Los Waves So What? ***

O disco começa com uns segundos de citação explícita da new wave, mas é na actualidade anglo-saxónica que o trio das Caldas mergulhas as raízes. Especialmente nos Strokes, mas também nos MGMT, de raspão nos Coldplay e, acima de tudo... nos Strokes. Porquê a necessidade de lhes fixar tão nitidamente as referências? Porque raramente se encontra uma banda em que elas sejam tão evidentes e, de alguma forma, assumidas. Este é o primeiro CD de longa duração, mas, além de alguns EP, o grupo, que também já se chamou League, tem uma razoável rodagem pela cena londrina e, imagine-se!, até em bandas sonoras dos states. As guitarras predominam, mas a electrónica é usada de forma muito inteligente, a produção é muito profissional e há uma mão cheia de temas ("Strange Kind of Love", "Got a Feeling", "Darling") susceptíveis de animar palcos, pistas e outros veículos de expressão musical.

Leonard Cohen - Popular Problems *****

O lançamento deste disco coincidiu com o 80.º aniversário de Cohen e o marketing fez o resto - "vejam, ele ainda consegue..." -, quando, na verdade, não é esse o ponto. Não estamos perante uma rotineira prova de vida, mas antes face ao estabelecimento de um novo paradigma. Num gráfico de linha, Popular Problems representa um pico, a par do álbum de estreia (1967) e de I'm Your Man (1988). É um disco de síntese, de revisão e depuração da matéria. Nada aqui está a mais ou a menos, outra forma de dizer que tudo aqui é perfeito. Musicalmente, nunca Cohen se terá sentido tão à vontade, encontrada que está a fórmula ideal para enquadrar a sua poesia - um blues ligeiro, quase lounge por vezes, baseado em teclas e percussão electrónicas, coros femininos e apontamentos de metais (obra do co-autor, músico e produtor Patrick Leonard, responsável por muitos êxitos de... Madonna). Nesse ambiente seguro, Cohen acaba por revelar uma voz funda e segura como nunca, mesmo quando apenas sussura ou quase declama. À pose e rigidez de outros tempos, contrapõe agora uma evidente naturalidade. As nove canções são, também, um trabalho de depuração dos temas fetiche: o apocalipse das guerras quotidianas ("Nevermind", com referências implícitas ao conflito do Médio Oriente) e enquanto destino ao qual não podemos fugir ("Almost Like The Blues"); a maldição do amor e da religião, como se fossem uma e a mesma coisa ("Born In Chains", a merecer figurar entre as suas melhores canções); o amor ainda, mas agora entre a ironia e a ternura ("Did I Ever Love You" e "Slow"). A fechar, "You Got Me Singing", acústica e com referências a "Hallelujah", coloca-nos na casa de partida: no Cohen inicial e com todo o futuro pela frente. Como hoje.

[Uma "arreliadora gralha" na edição impressa retirou uma estrela a mr. Cohen. Mas o disco é mesmo cinco estrelas.]

Banda do Mar ****

A felicidade das coisas simples. Este disco limita deliberadamente o seu raio de acção. Não é um disco novo do brasileiro Marcelo Camelo, ou de Mallu Magalhães, ambos a viver em Lisboa, não é um disco do casal, muito menos de Fred (baterista dos Buraka, Orelha Negra, 5-30). Banda do Mar assume-se como uma descomplexada reunião de amigos, sem mais pretensões que recuperar a sonoridade yé-yé (a "jovem guarda" do Brasil de 60) e cantar as alegrias do amor quotidano sem complicações. Assumidamente, aqui não há surpresas, ou sequer a tentativa de fazer músia elaborada ou ambiciosa. Pelo contrário, a ideia é fazer dançar, ou simplesmente bambolear, cantarolar ou apenas sorrir de felicidade. Tendo em conta a carreira de Marcelo e Mallu facilmente se imagina a perfeição com que a ideia é concretizada. Mas, obviamente, a falta de ambição do projecto reflecte-se no resultado final, não havendo aqui nada de extraordinário. A inspiração principal são os Beatles iniciais (a guitarra de "Cidade Nova", saída directamente de Hamburgo), mas "Faz Tempo" vai buscar quase tudo a "My Sweet Lord", de Harrison. "Dia Clarear" talvez seja o tema que mais se afasta do conceito global, assentando mais no material genético de Camelo. Já "Seja Como For" mostra-nos uma Mallu muito próximo do último "Pitanga", com as suas características inflexões vocais. A Banda anuncia, para já uma digressão brasileira, a que deverão seguir-se, já em 2015, apresentações em Portugal. E talvez com o andamento se perceba a verdadeira ambição deste aparente projecto paralelo.

Au Revoir Simone - Spectrum ***

O que seria do Verão sem os cocktails, essa forma tão civilizada de aventura? Este disco, feito para acompanhar cocktails e similares, é ele próprio um cocktail bem adequado ao Verão hesitante de 2014. Porque umas vezes o remix funciona, noutras ficamos com um certo amargo na boca. Nada que importe muito, o Verão acaba e tudo de esquece. O ponto de partida é Move In Spectrums, o quarto de originais do trio feminino de Brooklin. Um disco mais pop que os anteriores, assente na mesma fórmula de vozes, teclas e ritmos sintéticos. Retrabalhar esta matéria-prima é fácil, pela proximidade do código genético, mas, claro está, isso também coloca a fasquia bem mais alta. O trabalho de Kiwi para "Boiling Point", ou o funk de NZCA/Lines em "Somebody Who", o tema mais comercial do original, são apostas claramente ganhas. Noutros casos ("Crazy", de Jack Savidge), estamos perante a pura banalização para as pistas de dança.