Oquestrada - Atlantic Beat Mad'in Portugal ***


Há no miolo deste disco três exercícios conceptualmente bem interessantes, aquilo a que os Oquestrada chamaram de Triologia de uma Santíssima Trindade. Um poema de Amália ("Os Teus Olhos São Andorinhas"), que recebe uma nova música; o "Comboio Descendente", de Pessoa, também com nova música, obviamente a não conseguir fazer esquecer a composição de José Afonso; e um inédito de António Variações ("Parei na Madrugada") vestido de fado-marcha. Três exercícios arriscados, com um resultado mediano - nenhum dos temas deixa marca indelével. E esse é, talvez, o problema maior deste CD e dos Oquestrada: o conceito é interessante, uma fusão que se quer cosmopolita entre o fado, as cantigas à desgarrada e uma modernidade teoricamente europeia, mas o resultado é repetitivo e não especialmente apelativo. Claro que ao vivo tudo isto resulta muito bem - os permanentes contrapontos de vozes e instrumentos, a euforia quase descontrolada -, mas em estúdio soa um tanto monótono.

Russian Red - Agent Cooper ***

A música de Russian Red, aliás Lourdes Hernandéz, é um pequeno milagre. Nem tanto pela reversão da anedota de uma espanhola que até canta bem em inglês, mas mais especificamente pelo próprio trabalho musical, logo a começar, sim, pela voz. A cantora madrilena pratica uma música que, por facilidade de classificação, poderemos identificar com os movimentos indie. Uma indie que bebe directamente na new wave, especialmente na alegria da new wave. E essa é boa parte do milagre - a vibração, o ritmo, salvam esta música do pastel etéreo que, apesar de tudo, se pressente a cada esquina. Este terceiro disco, o primeiro gravado nos EUA e com um produtor americano, é, aliás, um passo firme numa direcção decididamente pop, de certo em busca de tops mais globais que confirmem o sucesso doméstico. "Casper", primeiro single, e "John Michael" são disso exemplo. Como "Neruda", por exemplo, sinaliza na perfeição o tal território indie de eleição.

Ney Matogrosso no Coliseu


As canções que Ney Matogrosso traz agora a Portugal quase se transformaram na banda sonora da rebelião que atravessou as principais cidades brasileiras em Junho/Julho do ano passado, tendo como mote o contraste entre a pobreza do povo e os milhões gastos no Mundial de Futebol. Meses antes, Ney tinha iniciado uma digressão em que, a par de nomes consagrados, como Arnaldo Antunes, Paulinho da Viola ou Itamar Assumpção, interpretava compositores quase desconhecidos, alguns deles descobertos na Net ou em discos de autor. Desse conjunto de temas fazem parte "Incêndio" (de Pedro Luíz) e "Rua de Passagem" (de Arnaldo Antunes e Lenine), com referências quase premonitórias às manifestações que abalaram o Brasil. Tal bastou para que o nome de Ney Matogrosso fosse catapultado pelos media para a primeira linha, qual precursor da rebelião. Embora preocupado com a situação do seu país (e do mundo), ele prefere, porém, manter-se ao serviço exclusivo da música. As canções desta digressão migraram, entretanto, para um CD (Atento aos Sinais), mantendo a toada fortemente pop, assente em metais e guitarras, sobre a qual se desenvolve um show algo pirotécnico, com Ney meio nu sobre paredes de luz e leds. Aos 72 anos, e com 40 de carreira, é a sua maneira de dizer que está aí para as curvas.