Arcade Fire - Reflektor ***

Há, no perfeccionismo e na ambição, do quarto disco dos Arcade Fire algo que incomoda. Como se estivéssemos já num domínio da pós-música, coisa de laboratório, pavloviana, feita para nos fazer salivar. Num artifício em que a inspiração, a poesia, a música, enfim, dão lugar, de forma demasiado diabólica, premeditada, fria, à pura manipulação. O paralelo histórico mais próximo terá sido quando os U2 se convenceram que eram os maiores do mundo, do universo mesmo, ou, ainda antes, quando os Pink Floyd implodiram à boleia de uma música e de uma encenação já despida de humanidade. Os tiques repetiram-se, aliás, através do frenesim mediático e de redes sociais que envolveu o lançamento de Reflecktor de uma constelação de “eventos”. É claro que há aqui boas canções, não canções muito boas, mas canções boas. “Aflterlife” e “You Already Know” serão disso bom exemplo. Poeticamente, há por aqui alguns achados e nem será necessário recorrermos ao par mais óbvio “Awful Sound” / “It’s Never Over”. E é óbvio que só uma banda em grande forma poderia abalançar-se a tal projecto. E ainda que “Reflektor”, “We Exist” ou “Here Comes The Night Time” prometem abrasar os woofers das pistas de dança. O que incomoda é o embrulho demasiado gongórico de tudo isto, com permanentes referências, quase citações, de quase tudo o que se gravou, pelo menos, nas últimas três décadas. Provavelmente, teria que ser mesmo assim, fruto da evolução (!), e a verdade é que poucas bandas da actualidade teriam capacidade para se abalançar a tal projecto. Estes Arcade Fire já pouco têm a ver com o genuíno fulgor de Funeral (2004), embora ainda não tenham vendido a alma ao diabo.

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