Arcade Fire - Reflektor ***

Há, no perfeccionismo e na ambição, do quarto disco dos Arcade Fire algo que incomoda. Como se estivéssemos já num domínio da pós-música, coisa de laboratório, pavloviana, feita para nos fazer salivar. Num artifício em que a inspiração, a poesia, a música, enfim, dão lugar, de forma demasiado diabólica, premeditada, fria, à pura manipulação. O paralelo histórico mais próximo terá sido quando os U2 se convenceram que eram os maiores do mundo, do universo mesmo, ou, ainda antes, quando os Pink Floyd implodiram à boleia de uma música e de uma encenação já despida de humanidade. Os tiques repetiram-se, aliás, através do frenesim mediático e de redes sociais que envolveu o lançamento de Reflecktor de uma constelação de “eventos”. É claro que há aqui boas canções, não canções muito boas, mas canções boas. “Aflterlife” e “You Already Know” serão disso bom exemplo. Poeticamente, há por aqui alguns achados e nem será necessário recorrermos ao par mais óbvio “Awful Sound” / “It’s Never Over”. E é óbvio que só uma banda em grande forma poderia abalançar-se a tal projecto. E ainda que “Reflektor”, “We Exist” ou “Here Comes The Night Time” prometem abrasar os woofers das pistas de dança. O que incomoda é o embrulho demasiado gongórico de tudo isto, com permanentes referências, quase citações, de quase tudo o que se gravou, pelo menos, nas últimas três décadas. Provavelmente, teria que ser mesmo assim, fruto da evolução (!), e a verdade é que poucas bandas da actualidade teriam capacidade para se abalançar a tal projecto. Estes Arcade Fire já pouco têm a ver com o genuíno fulgor de Funeral (2004), embora ainda não tenham vendido a alma ao diabo.

Tindersticks no Coliseu


Os Tindersticks estão em fase comemorativa e Portugal não poderia faltar à festa. Esta é mais uma daquelas relações que a razão não consegue explicar. Talvez a melancolia doce que atravessa todas as suas canções. 2013 é o ano do 21.º aniversário da banda (20.º do primeiro disco) e a data, redonda ou nem por isso, está a ser aproveitada para uma revisitação ao passado, traduzida num disco, Across Six Leap Years, com reinterpretações de temas de toda a carreira, mas especialmente dos primeiros anos. O disco, reconheça-se, não é nada de especial. Não se trata de um best of, a selecção de canções é relativamente aleatória e, acima de tudo, as novas interpretações não trazem nada de especialmente novo. É claro que a voz de Stuart Staples está em grande forma (alguma vez não esteve?), e que os arranjos são, como sempre, de uma elegância irrepreensível. Mas isso é o que esperamos dos Tindersticks. Especialmente depois de The Something Rain (2012), um dos seus melhores discos, esperava-se mais garra. Esse disco é o guião central da digressão que agora passa por Lisboa, o que não deixa de ser paradoxal, visto que as reinterpretações se socorrem abundantemente dos naipes de cordas (e amiúde dos metais), que, obviamente, não estarão no Coliseu. Mas a verdade é que tudo isso acaba por ser irrelevante - estamos perante uma banda que nunca desilude em palco. Muito menos os portugueses.

Midlake - Antiphon **

Os Midlake são um objecto estranho. Oriundos do Texas, movem-se no território indie com um som que cruza essencialmente influências do rock progressivo, folk rock mais erudito e algum psicadelismo. Vão no quarto disco, o primeiro após a saída de um dos líderes e vocalista, Tim Smith, e, apesar de gostarem de evocar os Radiohead, neste Antiphon remetem mais para as flautas dos Jethro Tull, as sonoridades planantes dos Yes e umas coisas decalcadas dos momentos menos inspirados dos Pink Floyd. Escusado será dizer que os sintetizadores e as guitarras distorcidas são a constante em todos os temas, isto, claro, para além de um fraseado vocal excessivamente apoiado nos coros. Os temas sucedem-se de forma monótona, tornando-se quase impossível distinguir uns dos outros. O mais comercial "The Old and The Young"? O desorientado "Vale"? Ou o cantável "This Weight"? Difícil mesmo é perceber a quem se destina esta música, independentemente do gozo que poderá ter dado a quem a criou.

Kings of Leon - Mechanical Bull ***

A música dos King of Leon é um relógio suíço. Tem um tic-tac super-afinado, essencialmente baseado em guitarras, que faz com que as canções fluam com uma genuína sinceridade, naturalidade mesmo. Mas, como todos os relógios suíços, esta é também uma música que não adianta nem atrasa. Ou seja, é competente, extremamente competente, mas fica contente com isso mesmo, não nos dá mais do aquilo que esperamos dela. Essa honestidade é ainda mais radical neste sexto disco, o regresso após o megasucesso mundial de Come Around Sundown (2010) e respectivas ondas de choque. Ainda se ouve por aqui algum U2 ("Beautiful War"), mas os grandes estádios parecem já não ser a paisagem natural destas canções. Há como que um regresso ao rock do sul americano, com os seus esquemas básicos ("Don't Matter") e o seu lirismo de pacotilha ("Last Mile Home"). Ouve-se tudo muito bem, tudo dará grandes momentos ao vivo, mas quase nada se destaca de uma evidente mediania.