Mark Lanegan - Imitations ****

Mexer na ferida, deitar-lhe sal, pode ser a melhor das curas. E para que seja grandiosa, a cura exige grandes feridas, no caso, grandes canções. Uma grande e funda solidão não pode ser cantada de ânimo leve, exige que se convoquem os clássicos, que se exorcize com o que de melhor os melhores tenham produzido. Isso mesmo deverá ter pensado Mark Lanegan, quando decidiu reinterpretar 12 canções em que a palavra solidão se expõe logo no título, ou mais insidiosamente se infiltra pelas estrofes. Lanegan tem vindo a afirmar-se como um intérprete de eleição, nem tanto pela qualidade e técnica vocal, mais pela emoção com que se apropria das canções. É isso que faz com "Brompton Oraty" (Nick Cave), numa leitura baseada em metais, ou "I'm Not The Loving Kind" (John Cale), com orquestra à séria, ou com "You Only Live Twice" (John Barry para Nancy Sinatra). Um trabalho de reinvenção, que acaba por ser a negação do título do disco.

Elvis Costello and The Roots - Wise Up Ghost ***

Aos mais antigos, este disco soará a Frank Zappa. O que abona muitíssimo a favor de Zappa, especialmente se tivermos em conta que os seus autores não explicitaram qualquer intenção comemorativa. Zappa pela paisagem musical aparentada do hip-hop, mas francamente mais experimental e rica. Zappa ainda pelo estilo vocal que Costello amiúde exala, entre o anasalado e o balbuciante. Mas Zappa não mora aqui. E o que há a dizer sobre este disco é relativamente simples: a ideia original (a regravação de velhos temas de Costello) era interessante, pela nova luz que a banda de Questlove poderia trazer a essas canções, já a concretização, suportada em temas originais, acaba por ser relativamente decepcionante. Há mesmo momentos sensivelmente aborrecidos, por exemplo quando as canções empastelam e parecem cair num interminável loop, o que poderá resultar nas coloridas actuações ao vivo dos Roots (a banda residente do programa de Jimmy Fallon), mas que em disco apenas tem o condão de esticar a quase totalidade dos temas para os cinco minutos. Essa circularidade obsessiva das canções, assim como a batida metálica e também ela obsessiva, são, reconheça-se, o campo perfeito para o tom sombrio, pessimista, corrosivo do que Costello canta. Uma América, um mundo, se quisermos, triste, sem esperança, enredado nas armadilhas de que fala "Tripwire", uma das suas melhores canções de sempre, curiosamente uma valsa clássica que os Roots abdicam de contaminar. Enfim, apenas mais uma colaboração para a já razoável colecção de Costello. E sublinhe-se a palavra "apenas".

Jack Johnson - From Here To Now To You ***

Não peçam ao rei das pranchas que (re)invente a roda. Jack Johnson será sempre Jack Johnson, a voz cool, quase inexpressiva, o assobio e o tralalara, a guitarra acústica de acordes muito simples, fáceis de imitar, as canções ligeiras, ligeirinhas, que se ouvem em bares de praia ou em sofás sofisticados a sonhar com bares de praia. A dúvida, a cada disco, é saber como se reinventa ele dentro deste estilo em que é rei e senhor. E a verdade é que nesta sexta revisitação desse esquema não se sai nada mal. Há até canções que mais complexas e interessantes do que a baladas ingénuas do costume. Ouça-se, por exemplo, o funk de "Radiate", ou o swing de "Tape Deck", ambas com uma utilização inteligente da harmónica e das cordas, e reconheça-se que estamos num patamar diferente das coisitas sem sal que lhe conhecemos (e que também aqui há). Pena faltarem quase nove meses para o verão...

The Grand Opening - Don't Look Back Into The Darkness **

Começa a ser evidente que os suecos estão a exagerar. Descobriram a cadeia genética da pop e agora não largam as garagens e os computadores, lançam discos atrás de discos, canções bem compostas, bem cantadas, destinadas, enfim, aos tops. Não andamos, porém, já muito longe da galinha dos ovos de ouro, com o filão a esgotar-se à custa de tanta repetição. John Roger Olsson, multi-instrumentista que se apresenta em público como The Grand Opening, é autor e vítima dessa exaustão criativa. Ao quatro disco, não consegue sair de um quadro repetitivo de baladas melancólicas, que remetem permanentemente para algo que já ouvimos algures. "Towards Your Final Rest", por exemplo, poderia ser Kings of Convenience, como "Free" soa a Everything But The Girl e por aí fora. E tudo isto num movimento circular, quase obsessivo, dos mesmos ritmos, os mesmo acordes, os mesmos recursos estilísticos. Como é calminho, talvez funcione em elevadores.

Nicotine's Orchestra - 77 13 ****

"Luna Loca", o único inédito deste disco, confirma o caminho por trilhar. Nick Nicotine parece apostado em explorar o filão tropicalista que tão bons resultados lhe trouxe com o Gipsycalia, de 2012. Não deixa de ser sintomático que todos os temas incluídos nesta colectânea tenha sido regravados ou remisturados, à excepção dos que integraram a obra mais recente. Obviamente, essas revisitações às canções mais distantes prendem-se com, digamos, algumas questões técnicas. Mas também é verdade que Gipsycalia deixou para trás uma música mais rude, com o esqueleto blues mais exposto, a favor de uma versão mais elaborada, à vez mais festiva e, sem preconceitos, mais ligeira. E tropical. "Love and Science" (bela balada), de 2011, é talvez um bom exemplo da transição entre esses duas fases/faces. "Luna Loca" denota também uma certa domesticação, uma aproximação do mainstream, cuja confirmação fica a aguardar desenvolvimentos.