Música telúrica e orgânica. Porque parece brotar
directamente das entranhas da terra, porque nela se torna impossível perceber
onde acaba o corpo e começa o som que ele emite. O terceiro disco de Mazgani,
EP à parte, apresenta-nos um artista maduro, finalmente envolto na sonoridade adequada
às canções densas e subtis que escreve. É um disco dominado pela voz, que
domina as canções. Ou, se quiserem, exactamente o contrário. E um disco de
guitarras, que estando sempre presentes, nunca se impõem à voz e às canções. Ouça-se,
por exemplo, ‘Common Ground’, a canção que encerra o disco. São cinco minutos
de voz ininterrupta, voz e respiração, no tal jogo orgânico de investimento
total do corpo. Atente-se na tensão daquela voz, daquele corpo, que se entrega
todo ao “fogo que incendeia os lençóis brancos da lua” e que percorre uma
espiral encantatória, a que uma guitarra quase distraidamente dedilhada e uma
tuba quase silenciosa se limitam a emprestar o terreno de progressão. São,
seguramente, dos mais belos cinco minutos dos últimos tempos. Ouça-se agora
“Blow Wind”, a face mais telúrica do disco. Uma cantilena encantatória, com o
trémulo das guitarras a soprar visualmente sobre um deserto quente e seco. A
dança do vento. E ouça-se, claro, “Dog at your Door”, apenas para que se
entenda a raiz de tudo isto: os blues duros e crus, as inconstâncias do
coração. E as baladas, líricas, comoventes: “Into the River”, ou “Hold me a
While”, com os metais a invadirem declaradamente a placidez das guitarras. Artesãos
por detrás de tudo isto? Mazgani, o iraniano de Setúbal e do mundo. John Parish
(PJ Harvey) e Mick Harvey (Nick Cave), na produção e instrumentos. Gravado em
Bristol, para ouvir em todo o lado.