Vitorino Voador - Vitorioso Voo **

Primeiro estranha-se. E depois também. Mesmo que pelo meio alguma coisa se entranhe, como a batida, a história, o refrão de – tinha que ser – “Carta de Amor Foleira”, o tema que antes de aqui estar já se ouvia, mercê da compilação de Novos Talentos da FNAC. É difícil perceber o que soa mais estranho neste disco. A voz monótona, sem espessura, multiplicada e distorcida em estúdio? As letras directas, por vezes sem poesia, por vezes de métrica desajustada? A composição, minimal, monótona também? Os instrumentos, a lembrar um elefante em loja de brinquedos? Tudo, na verdade, muito estranho, desconcertante, e por vezes desconfortável, até desagradável – por exemplo, o contraste entre os sintetizadores martelados e a voz monocórdica em “Que Sítio É Este”. João Gil, músico de vários projectos (Diabo na Cruz, Feromona, You Can’t Win Charlie Brown...), num primeiro disco montra de experiências sonoras peculiares.

Pedro Cardoso - Mirrors ***


Os espelhos apenas mostram a parte mais triste de ti. Há uma melancolia, talvez até mais que isso, que atravessa estas canções e que as afasta de qualquer comparação mais apressada com o Jack Johnson do surf, ou mesmo com John Mayor, o ídolo confesso de Pedro Cardoso. A postura vocal parece remeter para esses terrenos pós-adolescentes, mas as canções estão demasiado cheias de “pain” e “rain” para se conterem em tal território. A estas canções falta-lhes talvez um pouco mais de produção, que lhes não retirasse a textura quase doméstica e confessional, mas que lhes conferisse uma entidade mais marcada, que desenvolvesse um contraponto mais luminoso a essa voz que, apesar de bela, tende para a monocórdico. Assim, como estão, soam todas excessivamente ao mesmo. Ou seja, talvez que, após dois EP em menos de um ano, Pedro Cardoso merecesse um disco de maior fôlego. De consagração, mas, acima de tudo, de teste.

Mark Eitzel - Dont’t Be A Stranger ****

“We All Have To Find Our Own Way Out”, por exemplo. São 4 minutos e 20 de piano e voz. Suaves. Mas em que se canta a solidão, o desespero, o suicídio. Tudo muito serenamente. Ou, logo na abertura, quando Mark Eitzel canta “she wrote I love you, but you’re dead”, numa canção que quase poderíamos considerar pop, pela escrita escorreita e pelos arranjos, do mais tradicional deste disco, baixo, guitarras, bateria. Sim, é de canções que aqui se fala. De canções muito bem construídas, de recorte tradicional, mas pela quais se vão infiltrando derivações inesperadas, encantatórias. Seja pelo que nelas se canta, reflexões de vida raramente luminosas, seja pelas texturas musicais que nos vão surpreendendo, sem nunca quebrar o frágil fio delicado que as tece. Porque, se é verdade que este disco marca o regresso de Eitzel ao traballho em banda, não é menos certo que por vezes nem se dá por ela, a banda, tal a subtileza dos tecidos que desenha. Há coisas de pura beleza, como “All My Love”, uma reinterpretação à volta do piano de um tema dos American Music Club (2008). Outras surpreendentes, como a barroca Break The Champagne (já ouviram um Marxophone? Procurem-no no Youtube...). Outras simplesmente grande canções, sem mais nada, como “Oh Mercy”. Este é, pois, um disco de canções, e também de uma banda. Mas é também o de uma voz. E muito se tem dito e escrito sobre a voz de Mark Eitzel, agora mais frágil, supostamente por causa do brutal ataque cardíaco de há dois anos. A verdade é que, seja qual for a razão, essa fragilidade vocal assenta que nem uma luva à melancolia temática e subtileza conceptual do disco. Enfim, um regresso em grande de um dos nomes marcantes das últimas décadas da indie, em nome próprio ou integrado nos intermitentes American Music Club.