Tiny Ruins - Some Were Meant for Sea ***

Por vezes é necessário regressar às coisas simples. Uma guitarra acústica, um piano aqui ou ali, coros esparsos, umas cordas ainda mais discretas e uma voz que encanta. Pelo timbre, uma espécie de Cat Power mais bem comportada, mas especialmente pelas histórias que conta. Embrenhamo-nos em aventuras náuticas, histórias de encantar, personagens inquietantes, coisas indizíveis. Hollie Fullbrook, o nome que se esconde sob Tiny Ruins, nasceu em Inglaterra, vive na Nova Zelândia e gravou o primeiro disco na Austrália (na verdade, há dois anos já tinha gravado um EP, em... Barcelona). O sucesso, helas, tem vindo em ondas. Primeiro, nos antípodas, depois na Velha Albion e agora na Europa. As canções devem quase tudo às velhas tradições folk, mesmo que às vezes pudessem ser uma espécie de soul sem sal (“You’ve Got The Kind Of Nerve I Like”). Mas, é claro, as baladas mais intimistas (“Pigeon Knows”) imperam.

Antony and The Johnsons - Cut The World *****

Esqueçam tudo o que ouviram de Antony até agora. Os quatro discos de originais eram apenas esboços, ensaios para esta magistral celebração de génio musical e entrega dramática. É impossível voltar a ouvir essas “velhas” canções e não sentir que podiam ser melhores. Como aqui. Neste CD, gravado ao vivo – embora não pareça, tal é o rigor da interpretação -, Antony revisita 11 das suas melhores canções, acompanhado pela Orquestra de Câmara Nacional da Dinamarca. Não é a primeira vez que se faz acompanhar por uma formação clássica e nos discos de estúdio há apontamentos frequentes de cordas, por exemplo. Mas aqui trata-se de outra coisa. Estamos perante uma abordagem radical, com orquestrações especialmente concebidas para cada canção e que nada devem às concepções de alguns dos maiores compositores da chamada música clássica dos dois últimos séculos (Manuel de Falla, por exemplo, em “Kiss My Name”). Verifica-se, pois, uma transfiguração de todas as canções, não havendo lugar para qualquer dos instrumentos típicos do pop. Mas essa abordagem, que outros já tentaram e que poderia resultar banal, cria momentos de extraordinária beleza, não apenas pela criatividade dos arranjos (“I Fell In Love With a Dead Boy”), mas especialmente pela forma como eles se cruzam com a voz de Antony, abrindo espaço a uma interpretação ainda mais virtuosa e dramática do que nos originais (“Rapture” ou “Epilespy is Dancing”.) A canção que dá título ao disco é original e foi composta para a peça “The Life and Death of Marina Abramovic”, de Robert Wilson. E há ainda um longo monólogo, em que Antony se rebela contra o domínio masculino do mundo e faz votos para que o futuro seja feminimo, com algumas incursões bem humoradas pela religião. Um manifesto claramente político, mas que aborda com a mesma ternura que coloca nas canções e que o torna realmente único.

Ry Cooder - Election Special ****

Os tempos, diria o saudoso Zeca, estão de vir para a rua gritar. Foi isso que Ry Cooder decidiu fazer, de forma muito explícita, com Pull Up Some Dust and Sit Down (2011), manifesto contra a ganância financeira, corrupção política e coisas conexas. Um ano depois, nova colecção de temas bem esgalhados, com um mote óbvio: Election Special (EUA, Novembro). A primeira canção (“Mutt Romney Blues”) declara a guerra - uma sátira sobre o candidato conservador, baseada num famoso episódio de maus tratos ao cão da família... O humor, sempre corrosivo, é uma constante; a base musical, a de sempre – blues, folk, tex-mex. O blues arrastado da solidão da Sala Oval (“Cold, Cold Feeling”), a memória involuntária de quando Cooder era músico de estúdio dos Stones (“Guantanamo”), o recrutamento militar (!) nas escolas secundárias (“The 90 and the 9”), a reinvenção do “This Land” de Guthrie (“Take Your Hands Off It”).

The Tallest Man On Earth - There’s No Leaving Now ***

Por mais voltas que se dê, não há escapatória – tudo em Kristian Matsson soa a Dylan. Deve acontecer a muitos suecos, presume-se, isto de perseguirem doentiamente modelos anglo-saxónicos. Daí, talvez, o sucesso sueco, ou talvez mesmo o resultado menos agradável, todos aqueles livros e filmes negros.  The Tallest Man On Earth, assim modestamente se apresenta Kristian, não é pera doce de se roer. Tem a voz nasalada, o dedilhar de guitarra e aquela urgência de Dylan, mas tem igualmente uma escrita densa e sombria, plena de referências naturalistas, de sentido frequentemente obscuro. Neste terceiro disco, damos graças quando chegamos a meio e, na canção-título, o piano substitui a guitarra acústica obsessiva, mesmo que, mais à frente, talvez a melhor canção do CD (“Little Brother”) regresse ao modelo guitarra-Dylan/voz-Dylan. Em suma, está ligeiramente mais redondo que as gravações anteriores, mas mantém o tom caseiro.

Fiona Apple - The Idler Wheel... *****

Onde acaba o piano e começa a percussão? Onde acaba a raiva e começa a ternura? Esse é um jogo que Fiona Aplle não nos deixa jogar. Ela é a dona do jogo, joga como quer (são conhecidos os seus desencontros com produtores e editoras…). A nós resta-nos assistir – e “assistir” é a palavra certa quando se fala desta arte -, mesmo quando o ritmo parece chamar-nos, como em “Left Alone”, uma canção que deve tanto ao jazz, como à (bom, mais ou menos…) assumida loucura de Fiona. Estamos num território de pura liberdade, de criatividade sem barreiras. Poderíamos convocar Joni Mitchell, Regina Spektor ou Cat Power, ora como influências, ora descendências, ora aparências. Mas seria sempre menos que Fiona. “Valentine”, por exemplo, é uma dessas canções de amor/desamor em que os fantasmas andam à solta e fazem das suas. E o leve e quase imperceptível coro de “Periphery” está ali só para nos lembrar que há uma “normalidade” algures, mas não aqui.

Neil Young with Crazy Horse - Americana **

Passa-se tudo pelo liquidificador e já está. É assim o tão aguardado regresso de Neil Young com os Crazy Horse, após uma década de silêncio. Não é, portanto, um disco, mas antes uma lição de culinária cujos resultados deixam muito desejar, mais por incompetência do chef que por desatenção dos aprendizes. Os Crazy Horse, todos o sabemos, têm um som muito característico, basicamente guitarras amontoadas e distorcidas. Isto tem funcionado razoavelmente porque – e esse talvez seja o segredo! – a banda impõe-se a si própria longos silêncios, em que Neil Young (e nós…) aproveita para respirar. E a ideia deste CD até parece boa – aplicar essa sonoridade agreste a uma dúzia de tradicionais americanos. Mas, ouvidas as duas investidas iniciais (“Oh Susannah” e “Clementine”), percebemos o filme: há por aqui uma dose considerável de preguiça. Sensação que, apesar de ou outro pico, se mantém até à última versão. Vai, pois, para a coluna das curiosidades e bizarrias.