Stacey Kent


“Já lá vem o meu comboio...”. Talvez o sentido de humor de Stacey Kent a leve a começar assim o concerto do CCB. Assim, num português tropical, inseguro e, talvez por isso mesmo, sensual. Só para surpreender os incautos... A canção, com letra do poeta português António Ladeira, integra o último disco da cantora, Deamer In Concert, gravado em 2010, no parisiense La Cigale, e que será a base para esta terceira apresentação numa sala de Lisboa de que já conhece os cantos. “O comboio”, assim se chama a canção, é bem o retrato da mais recente paixão desta norte-americana, a língua portuguesa, obviamente com sotaque. A bem da verdade, só a língua é mesmo paixão recente, já que a música de Stacey sempre teve aquele toque tropical, ligeiro, que tanto arrelia os puristas do jazz. De qualquer forma, embora articule correctamente o fraseado do género, afro-americano, Stacey Kent está muito longe de ser uma cantora de jazz pura, ou lá perto. E isso reflecte-se no repertório, que inclui os habituais standards americanos, mas também muitas coisas brasileiras (Jobim, especialmente) e outras franceses (e até célebres temas brasileiros cantados em francês, como o “Samba Saravah”, de Vinicius) a par dos originais de Jim Tomlinson, marido, saxofoniste chefe de (pequena) orquestra. Garantidamente, uma noite elegante, suave, sem emoções muito fortes.

Sinéad O’Connor - How About I Be Me? ****

Religião, sexo, tentativas de suicídio, casamentos feitos, desfeitos e refeitos. A vida de Sinéad O’Connor tem enchido as páginas dos tablóides ingleses. E tem agora uma edição em disco, da qual só se pode dizer bem. Mais que autobiográfico, este CD é devedor da personalidade perturbada de Sinéad, reflectindo, por exemplo, as suas preocupações com os abusos sexuais a crianças na igreja católica irlandesa (“Take Off Your Shoes” e “V.I.P.” – um longo sussurro, que deixa as orelhas a arder a Bono...). Mas há também a mãe que se redescobre (“I Had a Baby”) e as alegrias breves do amor (a solar “4th and Vine”). E momentos de enorme beleza poética (“Reason With Me”) e uma versão avassaladora de John Grant (“Queen of Denmark”). Uma colecção que oscila entre coisas muito íntimas, dúvidas da alma, e canções de intervenção política. Espantoso é o equilíbrio disto tudo, o que transforma este disco no melhor de Sinéad em muitos anos.

Florence + The Machine - MTV Unplugged **

Esta mulher cansa. A sério, este começa a ser um comentário relativamente frequente entre os não fiéis. Isso notou-se nas apreciações ao segundo disco (Cerimonials), após a surpresa de Lungs (2009), e confirma-se neste Unplugged. O grande dom de Florence Welch é aquela voz potente, que projecta com inusitada estridência. O problema é que o esquema repete-se canção atrás de canção –desunha-se a gritar e tudo à sua volta são bombos e outros intrumentos pouco meigos. Coisa para se ouvir num estádio, e dos grandes, pelo que a ideia de testar o formato acústico comportava sérios riscos. E não é que não funciona... Não surpreende e essa é a ideia desta série – despir as canções, mostrá-las por dentro. Se a orquestração serena um pouco, à custa de harpas e pianos, a voz, essa continua a vibrar por todo lado. As versões, de Otis Redding e Johnny Cash, são submetidas ao mesmo tratamento e o resultado é decepcionante.

The Magnetic Fields - Love At The Bottom Of The Sea ***

69+15=84? Bom, na verdade, não é bem assim, porque falta fazer ali uma ligeira operação de substração. Descodificando: Love At The Bottom Of The Sea é, não apenas o melhor disco dos Magnetic Fields desde 69 Love Songs (1999), mas é quase a sua continuação. Voltamos à omnipresença dos computadores – ausentes das três últimas gravações, centradas nas guitarras – e às canções curtíssimas (a maior tem 2’39’’). O tema é, adivinharam, o amor, sempre o amor, agarrado daquela forma que só Stephin Merritt parece conseguir – as coisas nem sempre correm bem, mas é preciso encarar isso com uma dose razoável de humor (“God Wants Us To Wait”). “Andrew In Drag” e “I Go Anywhere With Hugh”, por exemplo, poderiam estar no disco de 69, perdão, 99. É claro que, na comparação, este disco perde, precisamente porque não consegue crescer a partir da continuidade. Mas, enfim, a ideia de voltarmos aos lugares onde já fomos felizes é desafiante quanto baste.

Rufus Wainwright - Out Of The Game ***

Um mau disco. Obviamente, isso é algo de que Rufus Wainwright seria incapaz, ou que lhe exigiria um certo esforço. E, no entanto, no entanto... este é um disco que se ouve com algum desencanto. Após alguns anos de aventuras mais ou menos operáticas, homenagens a divas e exercícios similares, Rufus ensaia um regresso ao pop, às grandes canções pop, que, não sendo totalmente decepcionante, deixa um certo amargo de boca, no caso, de ouvido. Talvez que o erro central tenha sido a escolha do produtor – Mark Ronson, o britânico que, entre outras façanhas, é o quase co-autor de Back To Black, de Amy Winehouse, tanta força tem a sua marca digital. Mas aqui, com Rufus, a presença de Ronson, contratado para recriar o ambiente dos anos 70, é excessiva (como sempre, aliás) e as canções de um dos melhores escritores deste início de milénio ressentem-se. Talvez que elas, as canções, pelo menos a maioria, estejam uns furos abaixo do melhor que Rufus consegue, mas a hiper-produção, dos coros à electrónica, tudo algo gongórico, encarrega-se do resto. Sente-se, igualmente, que Rufus parece estar demasiado preocupado em homenagear toda a gente, seja o companheiro, seja a filha, a mãe (Kate McGarrigle, recentemente falecida, a quem é dedicada uma das melhores baladas, “Candles”), seja até mesmo a manager... Talvez que de uma próxima vez, mais liberto do ponto de vista criativo, volte a mostrar-nos daquelas grandes e belas canções que dele esperamos. Por enquanto, ficamo-nos com a canção que dá título ao disco, Rufus vintage, “Jericho” e mais uma outra, motivos mais que suficientes para celebrar o “regresso”.