Charles Aznavour & The Clayton Hamilton Jazz Orchestra *****

Há um cheirinho de imortalidade nesta gravação. Como se as canções, algumas das melhores escritas no século XX, nos mirassem da Eternidade e nos desafiassem: vejam, oiçam, como nós brincamos, fingimos de nós próprias e nos reinventamos, sem perdermos aquela aura que nos trouxe até este Olimpo.
Aznavour tem agora 85 (a tournée mundial de despedida passou o ano passado por Lisboa) e poderia limitar-se a catalogar antologias, ou, na melhor das hipóteses, a gravar duetos com gente de desvairada origem (também já o fez…). Tudo jogadas seguras para a consolidação do mito.
Mas e o prazer, sim, o prazer? Aquele bichinho louco do artista, inquieto por definição. Por exemplo, pegar numa dezena e meia de canções e atirá-las lá para trás, para o tempo em que foram escritas, em que deram os primeiros passos em cabarets? E fazer tudo isto, mas com uma grande orquestra de jazz, como se tudo acontecesse pela primeira vez, como se o jazz fosse a terra nativa destas canções?
Dificilmente o exercício poderia ter resultado melhor. Ouça-se, por exemplo, “I’ve Discovered I Love You”, em dueto com Rachelle Ferrel (há por aqui vários e ainda um com Dianne Reeves), toda aquela subtileza, toda aquela alma, e somos obrigados a fazer coro: “you take my breathe away”.
E há de tudo, dessa subtileza à força do jazz mais clássico, em “Viens fais-mois rever”, ao bebop de “Des amis des deux côtés”, ao neworleanesco “The Jam”. A imaginação à solta. E, claro, “La Bohème”, uma canção que Aznavour canta como quem respira, ficando a orquestra “limitada” a um subtil contraponto.
Para que tudo fosse realmente perfeito, a voz de Aznavour teria que ter resistido incólume a milhares (milhões?) de horas de palco e estúdio. Mas isso já seria da ordem do milagre.

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