Ludovico Einaudi

O tecto do CCB não tem estrelas, e não há lá janelas por onde a luz quebre a escuridão. Essa é a paisagem que Ludovico Einaudi imaginou para a sua música. Manda o bom gosto e o bom senso que ninguém se lembre de decorar o local com objectos alusivos e deixe a imaginação da assistência fazer o seu trabalho.
Einaudi considera-se um desenhador de paisagens e por esta descrição dá para calcular que falamos de um compositor de música contemplativa, de um artesão de melodias simples. Uma música, enfim, minimal, embora o autor recuse, e bem, inscrever-se na escola do minimalismo. A respiração é, aqui, mais ampla, mais melódica, e sendo certo que se desenvolve em movimentos quase sempre circulares, não é menos verdade que as texturas pop e world music lhe conferem uma muito maior agilidade, muito familiar a quem gosta, por exemplo, de Rodrigo Leão.
A obra que Einaudi traz ao CCB é o disco Nightbook, um ciclo de temas escritos durante as constantes viagens do compositor à volta do mundo e que, de alguma forma, pretende ser uma reflexão sobre os contrastes entre a luz e a escuridão, o conhecido e o misterioso.
O piano, por vezes trabalhado electronicamente, é o centro desta música, em que as cordas e as percussões desenham ora vastos espaços abertos (“The Planets”), ora intensos crescendos orgíacos (“Eros”).

Daniel Merriweather - Love & War ****

Eis a versão masculina de Amy Winehouse. Com o ar saudável de quem não vai cair na próxima esquina, garantindo uma certa continuidade a todo este soul e R&B minuciosamente recriado pelo mesmo Mark Ronson que esteve por detrás do mega-mega Back to Black.
Merriweather, australiano, 26 anos, é um protegido de longa data de Ronson. Desde 2003 que entra nos seus projectos e, graças a isso, os tops britânicos não lhe são propriamente estranhos.
Este disco de estreia tem inúmeros condimentos para arrasar nas rádios, nas pistas de dança e, claro, nos tops. A abertura é dedicada a Nova Iorque e rodeia-se da grandiosidade dos standards, mas é logo a seguir, com “Impossible”, que as coisas começam a fiar mais fino. “Impossible” é um hit instantâneo, movido descaradamente a soul revivalista, num ritmo avassalador. E a máquina infernal continua com “Change”, apoiado pelo rapper Wale. Mais à frente, “Red” mostra que também nas baladas são invocados os melhores dos melhores (abençoado Stevie Wonder).

David Gray - Draw The Line ***

Há década e meia que David Gray anda por aí e não encontra o seu lugar. Um ou outro sucesso, mudanças de editora, afinações de estilo, tudo sem grande proveito. O balanço, comercial e criativo, acaba sempre na mediania.
Draw the Line não foge à regra. A abertura, com “Fugitive”, é prometedora, uma boa canção R&B, com o piano a marcar o ritmo acelerado, umas boas pinceladas de guitarras, um coro swingante e a voz de Gray em grande forma. Mas depois, incluindo com o tema que dá nome ao disco, cai-se numa certa monotonia. Gray é um bom escritor de canções, ele e o piano fazem lembrar por vezes os melhores momentos de Billy Joel (“Jackdraw”) e até há canções acima da média (“Transformation”, com um belo balanceado entre a voz e o piano), mas o registo excessivamente colado à balada folk acaba por prejudicá-lo. Isto, é claro, já nem contando com a teatral e completamente desnecessária colaboração de Annie Lennox em “Full Steam”.

Bob Dylan - Christmas In The Heart ***

Dylan é uma lenda americana e às vezes, ofuscados pelo seu universalismo, tendemos a esquecer isso. Eis, então, um disco que nos recorda esse verdade essencial, um disco típico de uma lenda viva americana. Armstrong, Elvis, Sinatra e tantos, tantos outros, uns que foram lendas e outros que o tentaram ser, também gravaram os seus discos de Natal
Dylan tinha, pelo menos, duas maneiras de atacar o problema – fazer um disco de Natal, ou fazer um disco de Dylan. Optou por fazer um disco de Natal, o que só surpreende quem não o tem acompanhado atentamente. O ídolo que nos anos 60 recusou liderar a revolução, o músico maduro que, de tanto se reinventar, accionou a máquina do tempo e reencarnou os anos 40 e 50, como se nada tivesse havido depois. São assim os discos da última década.
E este disco de Natal insere-se precisamente nesse espírito, na ideia de uma certa imortalidade, de alguém para quem o conceito de geração já não faz sentido, porque ele mesmo é a ponte entre todas as gerações.
A sonoridade deste disco é idêntica à das suas últimas gravações, uma recriação dos sons acústicos dos anos 50, com algum country, algum jazz de salão, algum blues. Desenganem-se, pois, os que aqui vierem à procura de novidade – isto são apenas 15 hinos tradicionais de Natal, com instrumentos tradicionais de Natal, coros femininos e masculinos de Natal e… a voz de Dylan.
“Must Be Santa”, numa versão alucinada com o acordeão de David Hidalgo (Los Lobos), é a pequena loucura do disco. “The Christmas Blues”, num arrastado blues, poderia ter entrado em qualquer dos seus discos da última década. E depois há, é claro, aquela aventura de cantar “O’ Come All Ye Faithfull” em latim (!).
Todos os lucros do disco serão destinados a organizações humanitárias. É o que costumam fazer todas as lendas americanas. Obrigado Santa Dylan.

Barbra Streisand - Love Is The Answer *****

Uma pequena obra de arte, eis o que é este disco. Tudo nele foi pensado ao pormenor e tudo nele resulta em algo muito perto da perfeição.
Barbra Streisand, aos 67, está com uma voz de fazer inveja a algumas raparigas com a aparência que ela própria ostenta na capa (vaidades que a ciência permite…). Uma voz que não perdeu a elasticidade, mas que é agora mais aveludada, e cujo registo frequentemente sussurrante corresponde plenamente às intenções deste disco.
A voz é, obviamente, o centro de todas as canções. Mas para que a voz sobressaia é quase sempre necessário que o acompanhamento musical seja, ele próprio, de excelência. É o caso. Diana Krall assume os comandos da produção, o que incluiu a selecção das canções (fica evidente, por exemplo, a fase bossa nova que atravessa, ao incluir aqui uma canção de Luiz Bonfá e outra de Ivan Lins), mas também o acompanhamento ao piano em alguns temas.
De uma ponta à outra, em 13 canções, fala-se de amor. Não de desencontros, desgostos ou algo parecido, mas de amor-amor. Alguns clássicos mais conhecidos (“Smoke Gets In Your Eyes”, “In The Wee Small Hours Of The Morning”) e outros nem tanto.
“Ne Me Quitte Pas”, de Brel, surge aqui numa versão bilingue, sendo que a parte inglesa é a famosa, e muito liberal, tradução de Rod McKuen, interpretada como só o autor sabia, ou não tivesse Barbra a mesma intensidade dramática – cada canção é interpretada como se algo de muito pessoal se tratasse.
Defeito, este disco tem um e os seus autores nem sequer são culpados – estas canções exigem quase uma hora de total disponibilidade, em quietude, e isso já não é fácil de encontrar nos dias que correm.