Lisa Ekdahl - Give Me That Slow Knowing Smile *****

Estes suecos, ou têm um grande olho para o negócio, ou é mesmo uma questão de irremediável bom gosto. Agora que a vozinha infantil do jazz-bossa de Lisa Ekdhl já começava a enjoar, eis que a rapariga se apresenta toda pop, num registo que cai que nem gingas nesta nossa Primavera intermitente.
O esforço não deve ter sido grande. Lisa só era jazz para consumo externo - na Suécia, tem uma longa e bem sucedida carreira na música mais comercial.
Este disco suplanta, porém, as expectativas. A voz infantil continua lá, para irritar alguns, mas as canções são lindas (é mesmo essa a expressão…), numa elegante mistura de folk, indie e pop.
É claro que as composições são sólidas – a tal espantosa mestria escandinava -, mas o que mais surpreende nesta aventura é o cuidado extremo com que são vestidas. Como se cada canção fosse uma frágil jóia, embelezada e trabalhada de forma diferente.
A primeira canção, embalada de assobio e swing, ainda remete vagamente para a nossa conhecida Lisa, e até mesmo “I Don’t Mind”, que se lhe segue, ainda swinga. A grande ruptura surge com “I’ll Be Around”, canção em três partes: uma encantatória balada que evolui para o mais puro pop, para acabar em qualquer coisa que faz lembrar Nat King Cole. E é desta arte de cruzar tudo o que é bom gosto na história da música que se compõe este disco.
A árvore genealógica em que estas canções se inserem passa claramente pelos Beatles, como muita da pop que nos chega da Escandinávia. Nem que seja na clareza das melodias, na simplicidade com que é exposta cada canção. Ouça-se, por exemplo, “When” (o solo de guitarra, então…), ou “Beautiful Boy”, uma canção que poderia ter sido escrita por Lennon ou McCartney nos anos que se seguiram à separação.
É claro que tal simplicidade deve ter dado muito trabalho. Valeu a pena!

Alela Diane - To Be Still ****

Não fosse pela capa (nos anos 60 e 70, não se usavam fotos tão más nas capas…), e poderíamos concluir que estamos perante uma reedição de Emmylou Harris baralhada com Fairport Convention.
Mas Alela Diane está agora na flor da idade e, depois de The Pirate’s Gospel (2006) regressa com este To Be Still, bem mais consistente, na voz, na composição e na orquestração.
Apesar de americana, a sua maior influência parecem ser os grupos folk britânicos, sejam os Fairport ou os Pentangle. Por vezes, a influência parece até ser demasiado explícita, como em “White as Diamonds”. Ou em Age Old Blues, em que parece pressentir-se a presença de Sandy Denny.
Mas há também canções, como a belíssima “The Alder Trees”, que beneficiam de contextos musicais bem mais recentes, embora nunca seja abandonado o envolvimento acústico que marca todo o disco. Um nome a seguir com atenção

Neil Young - Fork In The Road *****

Este disco deveria ser patrocinado por uma qualquer multinacional energética. Porque energia é o que não falta por aqui. Guitarras eléctricas como raramente se ouve, energia criativa com carácter de urgência, e até mesmo a defesa, radical pois claro, das novas energias, mais amigas do ambiente.
Neil Young atravessa uma das fases mais interessantes da sua carreira. Tivemos uma prova disso com o último disco (Living With War, 2006) e com o espectáculo, no duplo sentido da palavra, que deu no Verão passado em Algés. Parece que a situação política e económica da América e do mundo provocou nele um renascimento, após ter estado realmente às portas da morte há uns anos.
“When Worlds Collide”, que abre este disco, corre sérios riscos de entrar para o top das melhores canções de Neil Young. Mas “Just Singing a Song” não lhe fica atrás. A primeira é uma autêntica orgia de guitarras – de resto, todo o disco é uma colecção de riffs (e, já agora, de fantásticos coros) -, enquanto que a segunda é mais um daqueles hinos políticos que incendeiam plateias.
Todo o disco gira à volta dos carros – Neil Young adaptou um motor eléctrico a um vellho Lincoln Continental de 1959 – e as canções vão fazendo referências, ora directas ora metafóricas, a esse mundo meio mítico, meio em crise, do automóvel. “Fuel Line”, por exemplo, trata precisamente dos carros do futuro que já por aí andam, enquanto “Johnny Magic” fala precisamente do contrário, da nostalgia dos grandes carros (e condutores) do passado.
Pelo meio, ainda há tempo para criticar a crise financeira, em “Cough Up The Bucks” (“Where did all the money go?”), com o mesmo sentido de humor que percorre o resto do disco.

JJ Cale - Roll On ****

De JJ Cale é sempre necessário recordar que se trata do autor de “Cocaine”, popularizada por Eric Clapton. Isto porque “Cocaine” (e, já agora, “After Midnight”, também reinterpretada pelo mesmo artista) concentra, naquele estilo sincopado, toda a música de JJ Cale. E depois porque a enorme influência deste discreto septuagenário em alguma da música que se faz hoje em dia tem em Clapton o seu expoente maior.
Aliás, Clapton é a estrela convidada, precisamente em “Roll On”, a faixa que dá o título ao disco, como já havia sido ele a partilhar, de forma mais ampla, o trabalho anterior de Cale – The Road to Escondido (2006). Diga-se, de passagem, que pouco se dá pela presença de Clapton neste disco, tal é a similitude entre uma certa forma de dedilhar a guitarra exibida por ambos.
Outra coisa que costuma dizer-se de JJ Cale é sua enorme versatilidade com os instrumentos. À parte uma ou duas colaborações, é ele que toca tudo, seja bateria, piano, sintetizador ou banjo. E, obviamente, guitarra (muitas…), a sua imagem de marca.
É claro que Cale não é pessoa destinada aos tops. Aparentemente, até faz gala de manter um certo low profile, de gravar pouco e, acima de tudo, de manter um estilo avesso a modas, que deve muito ao booggie, ao jazz, aos blues, às músicas fundadoras.
Por exemplo, neste disco, canções como “Former Me”, com as suas extraordinárias linhas de piano, remete mais para o universo jazz do que para o rock. E as quase imperceptíveis linhas de metais em “Who Knew” conferem-lhe uma patine muito própria. A pedalada de “Strange Days” estaria mesmo a pedir um êxito de rádio, se estas canções ainda passassem na rádio.
É claro que estamos que perante um cantor de culto. Sobre isso não há grande volta a dar.

Annie Lennox - The Collection ****

Uma das “surpresas” da audição deste disco é percebermos como as canções de Annie Lennox fazem parte da banda sonora das últimas décadas. E isto apesar de apenas ter lançado quatro discos nas quase duas décadas posteriores à separação dos Eurythmics (1991).
Canções como “Why”, “Walking on Broken Glass”, ou versões como “A Whiter Shade of Pale” ou “No More I Love You’s” foram enormes sucessos na rádio e são daqueles temas mais ou menos intemporais, que nem sequer conseguimos identificar com uma época, uma moda.
O maior “segredo” de Lennox é, obviamente, a voz, que consegue levar onde quer, mas não são de menosprezar as produções um pouco gongóricas, mas com grande apelo comercial, que envolvem toda a sua música.
Esta edição, além dos sucessos, integra um segundo CD com raridades (um dueto com Alicia Keys, que só peca por excesso de virtuosismo) e ainda um DVD com os seus vídeos mais conhecidos e por onde perpassam os mesmos tiques barrocos das orquestrações.

José Miguel Júdice - Portugalando ****

Numa entrevista recente, José Miguel Júdice definia-se a si próprio como um provocador e admitia até que, por vezes, provoca apenas para se divertir ou para assistir às reacções de quem o rodeia.
Ninguém diria. Num país de engravatados, espera-se de um engravatado (e que engravatado…) que tenha tino e não se ponha para aí com provocações.
Por exemplo, não se espera de alguém com responsabilidades, um íntimo dos poderosos, que venha dizer que Portugal atravessa “a maior crise de sempre da nossa História” (atenção às conclusões precipitadas – isto foi escrito em Janeiro de 2007…) e que, logo de seguida, manifeste algum comprazimento com a nossa descida aos abismos, já que isso pode “servir de vacina e de demonstração para todos os outros, que com a nossa falência e a nossa extinção como projecto viável aprenderão a evitar igual destino”.
Isolada, ou eventualmente replicada noutros escritos, tal afirmação colocaria o super-advogado no topo dos “encartados pessimistas (…) que se esvaem diariamente em gozo onanista sobre a decadência e os horrores da Pátria”, como ele próprio escreve. E nestas quase 200 páginas em que recolhe as crónicas editadas no Público em 2007, há pessimismo a rodos, seja a propósito da classe política, da igreja católica, dos portugueses em geral, ou do PSD em particular.
E, no entanto, Júdice faz questão de ainda se colocar do lado dos “optimistas”, se bem que “preocupados”. A ténue linha divisória estará, talvez, na “esperança” que diz ter, sem ilusões, de que Portugal possa ultrapassar, sem cair, o tal estado de pré-falência.
A maledicência nacional encontrará aqui pasto q.b. para se alimentar – seja nos elogios a Sócrates, seja na descrição do PSD como um “partido moribundo” e já quase sem lugar no sistema político português. Os outros têm vastos motivos de reflexão, à sombra de uma escrita limpa e elegante. Com gravata, mas jovial.

Adriana ***

Adriana tem todos os ingredientes, excepto talvez aquela voz ligeiramente sopinha de massa, para ser uma grande estrela. É portuguesa, de família musical, passou pelo Conservatório, partiu atrás de um curso no Berklee College of Music, aventurou-se pela América, experimentou a “vida normal” e decidiu meter-se num estúdio e gravar em dez dias o primeiro disco. Além de compor e cantar todas as canções, produz o disco e ainda toca piano, guitarra e flauta.
Tudo perfeito. E, no entanto…
Adriana tem uma voz razoável, as composições são relativamente banais (ouvido o disco, pouco ou nada fica no ouvido) e a produção, apesar de procurar cruzar tudo o que é influência (rock, jazz, afro…), também nunca sai da mediania.
Fica a curiosidade de perceber como funcionarão algumas destas canções ao vivo. Talvez no palco haja alguma alquimia que não se pressente por aqui.