Vinicius Cantuária

Apesar da idade (está quase nos 60), Vinicius Cantuária faz parte de uma geração de músicos brasileiros que fizeram a mala, rumaram à grande cidade (normalmente, Nova Iorque), absorveram a música do mundo (o jazz e a electrónica, principalmente), para no fim descobrirem que coisa mais linda (e simples) que a Bossa Nova não há. Bebel Gilberto, bem mais jovem, é disso mesmo um excelente exemplo.
O principal interesse de Vinicius é que ele, de alguma forma, faz a ponte entre as gerações mais marcantes da música brasileira – os seus concertos têm sempre canções de Tom Jobim, Caetano ou Gilberto Gil – e esses aventureiros que travaram amizades com Sakamoto, Byrne, Eno, Frisell e outros ilustres da cena internacional.
O nome começou-o por conquistar Vinicius ao lado de Caetano, em cuja banda de apoio rodou nos anos que se seguiram à iniciação musical com a banda O Terço. Foi na voz de Caetano (e depois de Gal, Gil, Chico e outros) que as suas primeiras canções fizeram sucesso.
A carreira a solo começou-a em 1983 e, onze anos depois, empreendeu a viagem para Nova Iorque. É lá que tem um estúdio, onde passa horas a escrever canções com o violão e a vesti-las experimentalmente de electrónicas, ele que começou pelas percussões.
Na sua página oficial da Web, descrevem-se a música como sendo “post-electronica acoustic” e é disso que se trata. De uma música cheia de subtilezas, mas que nunca esquece as raízes rítmicas do Brasil natal. Nos espectáculos que agora traz a Portugal, haverá certamente muitas canções do seu último disco (Cymbals, de 2007), à mistura com velhos êxitos. Noites quentes e serenas.

Bob Dylan - Dylan **

Quando Mozart fez 250 anos, uns loucos também tentaram o mesmo - todo o Mozart num CD apenas. Os momentos comemorativos têm destas coisas, há sempre quem exagere. Não é possível, simplesmente não é possível, sintetizar Dylan em 19 canções, mesmo com o alibi da euforia celebratória envolvente. Este CD, pelo menos na sua versão mais compacta, tem por isso tanto de corajoso como de disparatado. De certa forma, o exercício roça a desonestidade. Em 45 anos de carreira, Dylan gravou legalmente mais de 500 canções, teve fases absolutamente geniais (65/66, por exemplo) e há pelo menos uma dezena dos seus discos de originais com lugar reservado em qualquer discoteca que não envergonhe o seu proprietário. Há sempre a desculpa de que se trata de um sampler para a geração iPod, mas convém que alguém explique a essa malta os malefícios do fast-food. E, já agora, que mesmo a zona negra – o CD ignora totalmente as duas décadas que vão de 76 a 97 – merece uma espreitadela, porque uma das riquezas da obra de Dylan é precisamente a descontinuidade. É claro que a versão tripla, com meia centena de canções cobrindo de forma mais uniforme estes 45 anos, resolve parte do problema, sendo por isso um investimento bem mais interessante. E aí já não se sente a enorme fragilidade da escolha que a versão compacta manifesta. Ah… não liguem à publicidade sobre uma re-versão (!) de Mark Ronson para Most Likely You Go Your Way. Desinteressante, no mínimo.

Bob Dylan - Tell Tales Signs ******

Vamos directos ao assunto: este é o melhor disco de Bob Dylan em muito tempo, talvez décadas. E, sim, é verdade, trata-se de uma recolha de sobras, restos, tentativas, coisas rejeitadas para edição, um ou outro inédito, uma ou outra gravação ao vivo.
A série dos Bootlegs de Dylan (divulgação oficial de gravações piratas) ameaça tornar-se num caso sério. Até porque a editora percebeu o potencial e, ao oitavo volume, põe cá fora algo que de pirata nada tem. A começar pela qualidade do som, todo ele de estúdio e, em alguns casos, com tratamento digital superior aos originais.
Esta edição cobre uma época de ouro de Dylan (talvez a melhor a seguir àqueles 14 meses dos anos 60 em que gravou Bringing…, Highway 61… e Blonde on Blonde), mais precisamente a que vai do autêntico renascimento que constituiu Oh Mercy (1989) até ao recente Modern Times (2006). Uma época em que Dylan serenou, amadureceu, e deixou claro que, não sendo este o melhor dos mundos, não contem com ele para desistir.
Foram anos muito criativos, com muito trabalho em estúdio e ao vivo, alguns conflitos com produtores (Daniel Lanois, por exemplo) e o que o este disco recolhe são versões alternativas e alguns inéditos. Em muitos casos, estamos perante interpretações superiores às “oficiais” e noutros interrogamo-nos como foi possível certas canções terem ficado na gaveta.
Acreditem que é difícil escolher exemplos de tudo isto, tal a qualidade do que aqui se apresenta. Ainda para mais há três edições à venda: uma tripla luxuosa (por importação), uma dupla (que se recomenda vivamente, pelo longo texto e pelas esclarecedoras notas de Larry Sloman), e ainda um CD simples para quem pensa que isto do Bootleg é apenas um truque para vender uns discos. Os dilanólogos ficam agora com um problema: onde e como classificar este disco?

Bob Dylan - Tarântula ***

Esta é a história de “Jane, cheia de pica, & o seu guarda-costas histérico”. Ou será de a de “um homem estranho a quem temos chamado Simplesmente Isso”? Ou a do “senador vestido de ovelha austríaca”, ou talvez a do “camionista com uma sabrina debaixo dos olhos”? Bom, a verdade é que ninguém sabe que história é esta e diz a lenda – com Dylan, tudo é lenda – que o próprio autor, questionado sobre a coisa, terá respondido mais ou menos assim: “That’s bullshit. This is nothing”. Uma treta, portanto.
A história de “Tarântula” merece ser contada. Estávamos em 1964, Dylan tinha acabado de trair a cena folk e preparava-se para subir ao Olimpo, transformado em líder contrariado de uma geração inconformada. Inebriado pela fama e talvez por outras coisas, assina um contrato milionário com a Macmillan para a edição de uma novela. Diz a tal lenda que, por Nova Iorque e arredores, terá enchido várias casas de centenas de páginas de manuscritos de uma escrita automática muito em voga na altura. À editora foram entregues 130 páginas de algo que o próprio autor se comprometeu a rever. Mas, entretanto, deu-se um famoso acidente de mota e o texto começou a circular em edição pirata, até que, em 71, a editora coloca cá fora a versão oficial (e nunca revista).
Trata-se de uma bizarra mistura de prosa e poesia, um calidoscópio de pequenas histórias e pensamentos, sem que se consiga descortinar um fio condutor ou sequer um sentido. O facto é que a escrita (64/66) de “Tarântula” coincide com a dos três melhores discos de Dylan e no livro encontramos frequentemente o mesmo tipo de lenga-lenga caótica, onírica, absurda que brilha em muitas das suas canções da época. Resta saber se a novela foi um tubo de ensaio para os discos, ou apenas uma espécie de aparas que iam sobrando.

Sharleen Spiteri - Melody ****

Estão a ver a Nancy Sinatra de mini-saia e botas de cano alto? É a primeira faixa: “It Was You”. E aqueles acordes iniciais das canções das Supremes? É a segunda faixa: “All The Times I Cried”. E conseguem imaginar aquela “parede de som” que se tornou a marca de água de Phil Spector? É a faixa número três: “Stop, I Don’t Love You Anymore”. E…?
Poderíamos continuar assim, pelas 11 canções deste disco de Sharleen Spiteri. Ah... é verdade, já me esquecia de apresentar a Sharleen. Olhem bem para a capa… Isso, a vocalista dos Texas. Estão a ver? Aquela rapariga de voz sensual, líder de um grupo escocês (1986-2005), em cujos vídeos geralmente só aparecia ela, em poses também elas sensuais.
Pois a voz de Sharleen adapta-se que nem uma luva a esta pose revivalista, qual Amy Winehouse sem drogas, ou Duffy mais experiente. Digamos que este Melody é assim uma espécie de Motown e arredores condensados em 40 minutos.
O exercício é relativamente arriscado. As coisas têm o seu tempo e, apesar de a certa altura se ter transformado numa cadeia de produção, a Motown era simplesmente genial. Até ter entrado em decadência. “Melody” vai tão longe na simulação que, de modo seguramente involuntário, chega a imitar essa fase menos boa (“Day Tripping”, por exemplo). E também é verdade que, por vezes, os Texas parecem querer ombrear com a velha escola da música negra (“Don’t Keep Me Waiting”).
Mas o resultado afinal é, acima de tudo, agradável. Em tempos tão conturbados, sabe bem ouvir música cujo único fim é divertir. Sem mais pretensões que não sejam as de uma produção muito cuidada, das orquestrações à capa. A certo tipo de música não se deve exigir mais do que ela pode dar.

Juliette Greco

Eis, então, a lenda viva. A mulher que, aos 80 anos, transporta consigo toda a memória e actualidade da música francesa. Juliette Greco é um nome que pouco ou nada dirá às novas gerações do burgo, mas que poderá eventualmente desiludir a velha guarda, que apenas vê nela a intérprete genial de Brel, Ferré e outros monstros sagrados da chanson. É certo que, no auge da boémia parisiense dos anos 50 e 60, ela representou a intelectualidade dos cafés e clubes, amiga de Sartre, primeira grande intérprete de Gainsbourg, admiradora de Brassens, amiga de Brel… A sua voz e presença em palco moldaram muitos dos sucessos dessa época de ouro. Mas, após um quase total silêncio na década de 80 e parte da de 90, Greco regressou com discos em que, mais uma vez, se socorreu dos compositores contemporâneos. E é por isso que em Aimez Vous Les Uns Les Autres (2003) e Le Temps d’Une Chanson (2006) a podemos ouvir interpretando temas de Julien Clerc, mas também de Miosec ou Benjamin Biolay.

É no palco que toda a expressividade das suas interpretações ganha razão de ser. Desde a consagração no Olympia, em 1954, percorreu os palcos de todo o mundo, tendo ainda experimentado o cinema em Hollywood.

Há sete anos, passou pelo CCB e regressa agora, acompanhada apenas por um acordeão (Jean-Louis Matinier) e pelo pianista Gerard Jouannest, nada mais nada menos que um dos co-autores de muitos dos sucessos de Jacques Brel. Convenhamos que é História qb para uma noite memorável.

Caroline Henderson - N.º 8 ****

Há canções cujas versões originais são tão marcantes que não conseguimos imaginar atrevimento suficiente para as beliscar. Unchained Melody (dos Righteous Brothers) é uma delas. E é precisamente essa uma das versões deste No.8, o oitavo disco de uma sueca que adoptou a Dinamarca para viver e o jazz sem grandes pretensões para se expressar.
Das 13 canções que compõem este disco, apenas duas são originais e, dessas, apenas uma tem a assinatura da intérprete – Caroline Henderson. Mas a versões, de Porter a Gershwin, passando por Nick Drake ou Stephin Merritt, valem bem uma audição atenta, se bem que não se deva esperar daqui nada do outro mundo. Apenas jazz sofisticado, apesar de bem sustentado na tradição, bons instrumentistas, uma voz aveludada. Da Dinamarca, quem imaginaria?

James Morrison - Songs For You, Truths For Me **

Juro que aos primeiros acordes pensei estar a ouvir a banda sonora de Mamma Mia. E, bem, parece-me que nesta coisa da indústria musical não há coincidências... James Morrison nasceu para as tabelas de vendas e parece não querer perder muito tempo. É claro que ouviu muito bem toda a discografia de Elton John e nota-se que gosta de música soul. Tem jeito para compor canções apelativas e aquela voz falsamente frágil que tão bem embala qualquer canção romântica. Sim, que é disso que se trata. De canções para namorar no carro, sonhar de olhos abertos e essas coisas assim…
Mandam as regras do patriotismo que se destaque da competência banal desta sucessão de baladas e mid-tempos a colaboração de Nelly Furtado em “Broken Strings”. Porquê? Por nada de especial, apenas mesmo só por patriotismo.

Joan Baez - Day After Tomorrow ****

Joan Baez tem 67 anos, a sua voz ressente-se e isso… nem é mau de todo. Já no disco de regresso, após meia dúzia de anos de silêncio (Dark Chords on a Big Guitar, de 2003), isso se notara. Baez perdeu aquele tom ligeiramente estridente que lhe conhecíamos desde os anos 60, tem a voz mais débil, menos elástica, mas igualmente mais serena e, em certa medida, mais audível.
Este disco assinala o 50.º aniversário de carreira e tudo nele revela um grande esforço de perfeição. Ou seja, de regresso à pureza das raízes, como se fosse possível suspender o tempo para as comemorações.
A produção, a cargo de Steve Earle, que também assina três das canções e acompanha Baez numa delas, pôs a velha activista a cantar temas assinados por grandes autores contemporâneos, como ela fez nos na anos 60, e envolveu tudo numa sonoridade acústica de grande simplicidade, tal e qual como Baez fizera nos anos 60. Para que tudo fosse perfeito, bastaria o impossível – que ainda houvesse causas à volta das quais cantora e ouvintes se reunissem em coro.
O resultado, não sendo surpreendente – a ideia não era seguramente essa –, não deixa de ser agradável. Por exemplo, na canção que dá título ao CD, uma evocação da guerra do Iraque por Tom Waits, temos Baez de viola em punho, quase como reza a lenda. Registo ainda para o tema de Costello e T. Bone Burnett («Scartet Tide»), escrito para o filme Cold Moutain e que aqui tão bem ilustra a veia folk da ex-amiga de Dylan.
«God is God» (quem diria?) e «I Am A Wanderer», escritas de propósito por Earl para este disco, são outros dois excelentes exemplos dessa Baez vintage que se tenta atingir.
Um disco que, enfim, não ressuscita os anos 60, nem dá nada de muito novo ao mundo. Mas que se ouve sem aborrecer. Nada mau, nos dias que correm.