BB King - One Kind Favor *****

Este disco começa com “See That My Grave Is Kept Clean”, tema de onde, aliás, é originário o título do disco: One Kind Favor. Que belo epitáfio para um artista que já vai nos 85… Mas, ao ouvirmos o resto do disco, percebemos que só assim será se o destino rasteirar o velho bluesman.
Estamos – e há coisas que devem ser ditas sem rodeios – perante um dos melhores discos de BB King dos últimos anos e talvez mesmo de toda a sua carreira. E quem nunca ouviu o velho mestre em todo o seu esplendor, não deve hesitar.
Após uns anos em que BB King andava, ora acompanhado (Eric Clapton, por exemplo), ora metido em projectos de versões e colaborações diversas. Regressa agora puro e genuíno. Sempre ele e só ele, mais a guitarra, na primeira linha, suportado por um trio que dispensa apresentações: Jim Keltner (bateria), Dr. John (piano) e Nathan East (baixo), aqui e ali apoiado por alguns metais.
O disco é composto por uma dúzia de blues de recorte clássico, sem concessões a reinterpretações de coisas mais fáceis, e se o tom melancólico do tema de abertura se repete aqui e ali, seja por reflexões mais ou menos sombrias acerca da vida e dos amores, a verdade é que há também muita alegria a salpicar esta hora de música.
É necessário, porém, fazer justiça a um homem que está por detrás deste projecto. T. Bone Burnett, que produziu os últimos de Robert Plant e de John Mellencamp e que aplicou aqui, de forma ainda mais radical, o mesmo conceito de regresso às origens. Um regresso que se faz da recuperação das sonoridades, musicais e vocais, originárias, mas que, também graças às novas tecnologias, permite uma actualização do conceito que lhe incute uma força inédita. E é talvez por isso que este BB King soa melhor que nunca.

Randy Newman - Harps and Angels *****

Ao fim de dez anos a brincar às bandas sonoras, com Oscar e tudo pelo meio, Randy Newman regressa com um disco de dez canções que, todas juntas, não chegam aos 35 minutos. Parca colheita? Antes pelo contrário, valeu a espera e vale a pena pagar o preço de tabela por esta meia hora de grande música.
Grande música porque Newman volta em grande estilo. Irónico, sarcástico, político, poético. Ao piano, mas também quase sempre acompanhado por uma enérgica orquestra de dixieland.
A canção mais marcante do disco é, obviamente, “A Few Words in Defense Of Our Country”, uma mordaz crítica à actual liderança americana, que já tinha estado disponível no iTunes e até havia sido publicada no New York Times como artigo de opinião (!). Newman garante que Bush, apesar de ser o pior líder de sempre da América, não é tão mau como o pintam. Pelo menos, quando comparado com Estaline, Hitler, ou os fulanos da inquisição… Uma canção que acaba, tristemente, a declarar o fim do Império Americano, “um país à deriva na terra dos bravos e no berço dos livres”.
O tom ácido mantém-se, por exemplo, em “Piece of the Pie” (se somos os mais ricos do mundo, porque não somos mais felizes?), ou numa sátira sobre o declínio dos estudantes americanos perante o empenho dos imigrantes (“Korean Parents”).
Já “Harps and Angels”, que dá o nome ao disco, é uma belíssima reflexão sobre a morte, o encontro com os anjos e um deus que até fala francês e admite que se engana…
Salva-se da onda de cinismo, a belíssima “Feels Like Home”, uma genuína canção de amor, escrita há mais de uma década e já interpretada por muita gente, mas a que o autor dá finalmente voz.
Como se calcula, estamos perante um disco para ouvir com atenção. Não apenas pelo que se diz, mas igualmente pela riqueza de pormenores da orquestração. Como se de um filme se tratasse.

John Mellencamp - Life, Death, Love and Freedom ****

Há um erro na capa deste disco. Obviamente, o título não é Life, Death, Love and Freedom. Porque, aqui, não há pingo de vida ou amor. E liberdade só para envelhecer, sofrer, morrer. Por isso, o disco deveria chamar-se Death, Death, Death and… Death. E ter na capa um selo amarelo com o aviso: “Vivamente (!?) desaconselhado a pessoas com tendência para a depressão.”
Para aquele que será certamente um dos discos mais deprimentes do ano, John Mellencamp, ex-Cougar, conta com a preciosa ajuda de T. Bone Burnett, esse herdeiro autêntico de Roy Orbison, que assina a produção e ensombra muitas das 14 canções com a sonoridade atmosférica de uma guitarra em suave vibrato.
Convém alertar, porém, que o pessimismo das reflexões de Mellencamp é aconchegado por um envolvimento que, embora em tom menor, não deixa de ter aquela intensa beleza das coisas tristes.
As bases desta música são os tradicionais blues, explícitos, de resto, logo na primeira canção (“Longest Days”), quase sempre acústicos, embora também quase sempre ornamentados com as ondas eléctricas de Burnett.
A canção que os americanos escolheram para testar na rádio é “My Sweet Love”, dominada fortemente por uma percussão a fazer lembrar Buddy Holly ou as facetas mais experimentais da fase comercial dos Fleetwood Mac.
“A Ride Back Home” é, porém, a canção mais vibrante do disco. Isto, claro, se não ligarmos à letra (um insistente pedido a Jesus para que o leve de regresso a “casa”).
Os audiófilos podem, no entanto, rejubilar, Esta edição é acompanhada de um DVD contendo várias versões para descarregar (para iPod, por exemplo) e ainda a estreia mundial do CODE, uma patente desonvolvida por Burnett que permite uma qualidade sonora idêntica ao som de estúdio. E até se nota a diferença.