Beth Rowley - Little Dreamer ***

Talvez seja a decadência definitiva do Império… A Inglaterra destes dias está cheia de loiras e morenas que cantam como se fossem negras americanas de há umas décadas atrás. O filão Winehouse parece inesgotável. Convenhamos que, moda por moda, esta até nem é má de todo.
Beth Rowley é mais uma dessas raparigas que parece ter ouvido na adolescência (já tem 26, uma sénior, portanto…) toda a colecção de velhos discos de vinil que havia lá por casa. Os pais, rezam as crónicas, eram missionários, ela nasceu no Peru, mas cresceu em terras de Sua Majestade. Os pais, presume-se, eram dados à música americana de raiz religiosa.
Por isso, Beth não se fica pelo R&B das outras e vai mais atrás, ao gospel e aos espirituais. É com uma bem conhecida canção tradicional que abre o disco (“Nobody’s Fault But Mine”) e a que se segue (“Sweet Hours”), co-assinada pela própria, como que pretende desmonstrar que a lição foi bem aprendida e que, no século XXI, se podem escrever canções idênticas às que se ouviam nos campos de algodão.
O resto do disco desenvolve-se a partir dessa toada, mas com derivações interessantes pelos terrenos do blues, do jazz sofisticado (“Almost Persuaded”), do reggae e, claro, do mais puro pop. “Oh My Life”, o primeiro sucesso de um CD que anda pelos tops de Londres, arrancando com um secção de sopros quase soul, evolui para uma cançãozinha que bem podia ter concorrido à Eurovisão. “I Shall Be Released”, de Dylan, surge num alegre reggae, quase a pedir para entrar numa qualquer festa de Verão.
É claro que Beth Rowley, além da razoável técnica para escrever canções, patenteia uma voz à altura destas aventuras. Talvez demasiado certinha, com um certo défice de paixão que as circunstâncias exigiriam.

Ry Cooder - I, Flathead ****

E eis mais uma banda sonora de Ry Cooder. Esperem… Não é verdade, não desistam já. Apesar do título e do subtítulo do CD, não estamos perante uma banda sonora. Bom, de certa maneira…
Desta vez, Ry Cooder fez ao contrário e, por isso, estas 14 canções são, elas próprias, a história. Sendo que também podem servir de banda sonora, mas a uma novela de umas largas dezenas de páginas que acompanha a edição deluxe.
Cooder tornou-se num contador de histórias por excelência. Este I, Flathead é o terceiro disco (depois de Chávez Ravine e My Name Is Buddy) inspirado numa Califórnia quase mítica, desconhecida, anterior à explosão da música pop.
A história, aqui, é a de um cantor de música country e corredor de automóveis (Kash Buk) e da sua banda (The Klowns) e que tem tanto de humor, como de ficção científica, como de canções on the road ou as sempre gloriosas about cars and girls. Este acaba por ser um disco de contos, já que cada canção vale por si, ou, se aceitarmos o fôlego a que o autor se propôs, bem podemos ouvi-lo como se lêssemos um romance.
Musicalmente, quase tudo remete para a pré-história do rock, seja através do country, do blues, dos talking books, do rockabilly, das influências latinas, do boogie-woogie…
Tudo isto embalado numa sonoridade perfeitamente contemporânea, mercê, em grande parte, da inspiração e mestria de Cooder, o qual, uma vez mais, toca quase tudo quanto é instrumento.
“Drive Like I Never Been Hurt”, logo a abrir, dá bem o tom – um pujante tema r&b, com toques de tex-mex. Mas “Filipino Dance Hall Girl” é outra canção que dificilmente se esquece. Não poderia ser de outro modo, num disco em que se proclama: “Johnny Cash will never die buddy cant’t you see…”

Credence Clearwater Revival - Best Of *****

Há por aí uns programas de computador e uns sites onde, através de processos inspirados na cas cadeias genéticas da biologia, se procura criar cadeias de música, ou seja, identificar raízes, detectar continuidades e descontinuidades, criar árvores genealógicas de canções históricas ou simplesmente da moda. O processo conduz, necessariamente, a uma certa engenharia através da qual já é hoje possível criar, com elevado científico, canções destinadas a entrar directamente nos tops.
Nenhum desses programas, presumo, se chama CCR. Mas devia, em homenagem àquela que talvez tenha sido a primeira experiência bem sucedida de pegar nas bases fundamentais da chamada música pop-rock e escrever canções que, a todos os títulos, podem ser consideradas exemplares, paradigmáticas, da escrita e da execução desse género musical.
Os Credence Clearwater Revival (CCR) nasceram em 1967 e lançaram o último disco em 1972. Ou seja, numa altura em que meio mundo andava a fazer experiências, a reinventar a música e a acrescentar-lhe tonalidades, os CCR faziam exactamente o contrário. Foram às raízes do rythm & blues e da country e desataram a gravar canções simples, directas, mas nas quais é possível ouvir tudo aquilo que, ainda hoje, é o ADN da música do mainstream.
O retorno foi gratificante. E, francamente, é difícil imaginar alguém que nunca tenha ouvido, pelo menos uma vez na vida, mesmo sem a identificar, uma canção dos CCR. Das 24 que constam deste CD, é quase impossível, porque injusto, nomear uma ou outra. Mas é óbvio que estão aqui “Proud Mary” ou “Up Around The Bend”, ou “Bad Moon Rising”. As notas sobre as canções são escassas, mas este é claramente um disco mais destinado ao consumo que à reflexão. Como os CCR sempre foram, de resto.

Melody Gardot - Worrisome Heart *****

O disco já está nas lojas há umas semanas, mas seria uma pena que por lá ficasse. A primeira gravação de Melody Gardot merece ser ouvida e, inevitavelmente, reouvida. Sim, trata-se de mais uma cantora de jazz pop, descendente da cadeia hereditária genuinamente iniciada por Diana Krall e amplamente demonstrada nas suas linhas mais ligeiras por Norah Jones.
Melody Gardot foi literalmente passada a ferro por um automóvel, quando, aos 19 anos, passeava de bicicleta pelas ruas de Philadelphia. A sobrevivência passou pela medicina, presume-se que principalmente, mas também pela música (e ainda dizem que a música não salva…) utilizada em jeito de terapia emocional. Daí resultou um primeiro EP, gravado ainda no hospital, e depois algo de maior fôlego, gravado em 2006, mas só agora editado comercialmente (mistérios insondáveis do negócio!).
São dez canções e, sinceramente, é difícil escolher uma, duas ou três para demonstrar que estamos perante uma compositora e cantora muito acima da média.
O amor, mais na forma de desejo que de prática, é a tónica dominante. Ouça-se, por exemplo, “Love Me Like a River Does”, que, na indolência jazzística, sintetiza de forma exemplar o ambiente musical dominante.
Na versão mais pop, temos “All That I Need Is Love” (novamente o amor enquanto desejo), ou, para os amantes de Cole Porter e contemporâneos, que tal começar por ouvir “One Day”? E, para quem ainda tenha dúvidas de onde tudo isto vem, lá está “Sweet Memory”, um blues muito sofisticado a que se segue “Some Lessons”, uma surpreendente balada, que começa apenas com a viola de Melody e evoluiu para um acompanhamento de cordas de uma extrema beleza. Enfim, um disco onde claramente se procurou a perfeição. O que já é meio caminho andado.