Carla Bruni - Comme Si Rien N’Etait *****

Comecemos pelo que importa: este é o melhor dos três discos de Carla Bruni. E tem isso alguma coisa a ver com Sarkozy? Sim e não. Sim, porque um disco é também a sua circunstância e a verdade é que o casamento com o Presidente francês confere às canções de Carla Bruni uma outra leitura, entre o contraste e a insinuação, que transformam a sua audição numa experiência mais rica. Que ela assuma, em “Je Suis Un Enfant”, que continua criança, apesar dos seus 40 anos e 30 amantes, será apenas o mais evidente dos exemplos.
De nada vale – antes pelo contrário… - fingir a ex-modelo e agora cantora não é também Primeira Dama, ainda para mais por via do polémico Sarkozy. Todos temos a ganhar com esse reconhecimento, a começar por ela, obviamente…
Mas este disco também é o melhor de Carla Bruni por motivos que nada têm a ver com esse seu novo estatuto. Estamos perante um trabalho que confirma uma compositora madura, para o que muito contribui o facto de, ao contrário das gravações anteriores, as canções estarem agora mais vestidas de roupagens. Normalizadas, embora maioritariamente através de arranjos de enorme subtileza, as canções sobressaem mais que no anterior registo excessivamente intimista. E fica patente para os menos crédulos que a raiz fundamental de Bruni é, nada mais nada menos, que a tradicional “chanson”. Os mais ortodoxos clamarão “heresia”, mas vale a pena, por exemplo, perceber Brassens por detrás de “La Tienne”. É claro que Carla é deste tempo e, por isso, nada é assim tão simples e as influências continuam a passar pelo blues (“Tu Es Ma Came”, outra canção escandalosa…), assim como os temas são eles próprios de outras origens (“You Belong To Me”, canção americana dos anos 50 que Dylan também cantou).

Emmylou Harris - All I Intended To Be ****

Será certamente caso para um estudo psico-socio-musicológico: a idade parece ter efeitos altamente benéficos nos autores e cantores da música pop e arredores, precisamente aquela que mais alimenta o mito da eterna juventude. E, se calhar, o segredo é mesmo esse.
Emmylou Harris não foge à regra. Após o enorme sucesso no papel da loira mais gira do country, nas décadas de 70 e 80, ei-la que renasceu, já os anos 90 iam altos, no papel de autora inspirada. E, como prova este All I Intended To Be, parece que os anos – anda nos 61 – lhe fazem milagres à voz. Está mais encorpada, menos estridente.
Este é um disco um tanto traiçoeiro, não digam que não foram avisados. Por detrás da graciosidade das belíssimas orquestrações acústicas vagueia, imagine-se, a morte. Presente explicitamente em pelo menos duas canções (“Not Enough” e “Sailing Round the Room”), mas atravessando outros temas, sob a forma de separações, saudades e outros lados escuros da vida.
É um disco que olha para trás. Brian Ahern, que produziu os sucessos dos 70, está de volta e, com ele, uma country mais explícita do que a presente nas últimas gravações de Emmylou. Mas este é, também, um disco de quem aprendeu as lições da vida, que assume alguma nostalgia, também alguma angústia pelo que aí possa vir. Descansem, porém: fá-lo sempre de uma forma pouco pesada, com a leveza, não confundir com ligeireza, do country.
Emmylou assina ou co-assina (por exemplo, com Kate e Anna McGarrigle, que também dão um arzinho da sua graça) metade dos temas do disco, sendo a outra metade dedicada a covers, nem sempre, evidentes de, por exemplo, Tracy Chapman ou Merle Haggard.
Para ouvir descontraídamente. Ou nem por isso. É à escolha do freguês.

Mudcrutch ****

Há muito tempo que não se via um discos destes. Mike Campbell toca guitarra no lado direito e a guitarra de Tom Leadon pode ser ouvida no lado esquerdo. Notem o preciosismo: temos duas lead guitars, mas sabemos sempre onde está cada uma dela. Tom Petty, ele próprio, deixa esses créditos por mãos alheias e concentra-se no baixo e na voz. Mas esta – ai esse preciosismo… - “excepto onde está indicado”, sim, que Leadon e o teclista Benmont Tench também têm direito a brilhar vocalmente. E falta apenas apresentar outro membro da banda, Randall Marsh, que toca bateria e nada mais.
A banda chama-se Mudcrutch e é provável que nunca tenham ouvido falar de tal coisa. Trata-se do novo projecto de Tom Petty, sendo que, na verdade, é o seu projecto mais antigo. Expliquemo-nos: Mudcrutch foi a banda organizada por Petty nos anos 70, antes de embarcar na aventura dos Heartbreakers. Gravou umas coisas dispersas e nunca teve grande sucesso. Porquê, então, o regresso a essa marca?
Bom, os Mudcrutch são realmente bem diferentes dos Heartbreakers. Estamos perante uma música muito mais próxima daquilo a que, nesses anos 70, se convencionou chamar de country-rock e também de southern rock. Tudo isto soa, por isso, a Flying Burrito Brothers, Byrds, Allman Broyhers, Grateful Dead (há mesmo remakes desses grupos – “Lover of the Bayou”, “Six Days on the Road”). Ouça-se, por exemplo, “Orphan of the Storm”, uma exemplar balada, ou as guitarras em pleno em “The Wrong Thing To Do”.
O disco acaba, por isso, por ser um certo regresso ao passado, impossível de concretizar pelos Heartbreakers. À parte as questões técnicas, este disco poderia perfeitamente ter sido gravado há 30 anos e a sua beleza advém, precisamente, daí, dessa indiferença ao tempo que passa.