Lynyrd Skynyrd - Street Survivors ****

É impossível falar deste disco sem falar da tragédia dos Lynyrd Skynyrd (como eles assinalaram no seu primeiro disco (1973), deve pronunciar-se Leh-Nerd Skin-Nerd). Este disco é a tragédia do Lynyrd Skynyrd. A 20 de Outubro de 1977, apenas três dias após o seu lançamento, o avião em que a banda viajava entre espectáculos caiu por falta de combustível, matando alguns dos músicos, entre os quais Ronnie Van Zant, a alma do grupo.
Junte-se a esta morte trágica o facto de os músicos aparecerem entre chamas na capa do disco, de este conter uma espécie de cupão adquirir um “Lynyrd Skynyrd survival kit” e de uma das canções (“That Smell”) ter referências explícitas à morte e temos a lenda erguida. O disco ainda foi reeditado sem chamas na capa, mas nem isso evitou que se vendesse aos milhões e que uma data de jornais tivesse lamentado o desaparecimento daqueles que se preparavam para ser “os Rolling Stones americanos”. Como se sabe, nada faz tão bem à fama e à carteira de uma estrela do que a morte, quanto mais trágica melhor.
Os Lynyrd Skynyrd talvez nunca viessem a ser os tais Stones americanos, mas a verdade é que este sexto disco revelava um enorme desejo de extravasar o território natal da banda – o chamado southern rock, um rock praticado no sul dos Estados Unidos, muito devedor dos blues e do boogie woogie, de que a versão mais adocicada era personificada pelos Allman Brothers.
O som da banda caracterizava-se pela intensidade das guitarras (normalmente três…), pela voz agreste de Van Zant e, nesta fase final, pelos coros femininos.
A edição de Street Survivors que agora chega às lojas, contém, além do alinhamento original, uma primeira gravação dos mesmos temas feita seis meses antes noutro estúdio e cinco temas gravados ao vivo, num dos últimos concertos da banda.

Mafalda Veiga - Chão ***

A “Estrada” é o primeiro single, já passa nas rádios e dá o tom. Mafalda Veiga está igualzinha a si própria – “meu amor não quero mais palavras rasgadas” –, mas está menos melancólica – “eu só quero ser feliz”. Esse tom percorre quase todo o disco. Sem deixar o tom intimista, reflexivo, de que fez marca pessoal, a cantora está agora mais positiva. Sente-se na música e nas palavras, mas também na maneira como as canções são vestidas. Na produção está agora Miguel Ferreira, um dos nomes fortes dos Clã, que diz procurar uma sonoridade “mais orgânica, despida de pesos electrónicos”, que, em seu entender, assentam melhor na música de Mafalda. A verdade é que a aquela sensação (des)confortável de estarmos a ouvir os Trovante fora de tempo desapareceu por completo. E o que mais ressalta neste disco é a tentativa, geralmente bem conseguida, de abrilhantar cada canção de seu jeito. Dominam as guitarras, acústicas e eléctricas, nunca esmagadoras, mas há aqui e ali perfumes de órgão e de cordas e mesmo a presença forte do piano em alguns casos. Sempre dando espaço à voz, já que os jogos de palavras de Mafalda Veiga são a sua imagem de marca. A sonoridade é, enfim, decisivamente mais pop que nos discos que povoam duas décadas de carreira, mas isso não deverá afastar os fãs de sempre, já que tudo é feito de forma suave, mantendo todas as características que se colaram à pele.
Mafalda Veiga não gravava a solo desde 2003 (Na Alma e Na Pele), e ocupou boa parte deste intervalo numa colaboração de sucesso comercial com João Pedro Pais (Lado a Lado). Este Chão tem todos os ingredientes para um regresso em forma. O Verão está ganho.

Gilberto Gil

E agora algo completamente diferente. O mais versátil e polivalente músico brasileiro da sua geração apresenta-se, desta vez, a solo em duelo com o violão. Na verdade, o filho, Bem Gil, também participa, mas o rapaz é discreto e não destoa do tom intimista desta digressão mundial do pai do tropicalismo. Sim, desta vez não há samba, não há reggae, não há banda, não há electricidade. “Luminoso” é a versão de palco de um disco gravado em 1999, destinado a acompanhar um livro com o mesmo título, mas editado comercialmente apenas em 2007. Nele, Gilberto Gil revisita alguns dos seus temas mais famosos, alguns tornados conhecidos por outros artistas, mas em versão acompanhadas apenas com o violão, o que lhes confere um tom claramente intimista. Do naipe de 15 canções assim despidas fazem parte Copo Vazio (que Chico Buarque de Holanda gravou em Sinal Fechado), Você e Você, oferecido a Gal Costa e que o autor interpreta pela primeira vez, ou ainda Preciso Aprender a Só Ser, O Compositor Me Disse ou Aqui e Agora. Ou seja, um intimismo que se construirá à volta de canções menos conhecidas, mas também dos seus maiores êxitos. E, agora que está nos 66 e que anuncia a intenção de abandonar a política e o cargo de Ministro da Cultura, o cantor revisitará ainda alguns dos temas de compositores que mais o influenciaram: When I’m Sixty Four, dos Beatles, ou No Woman No Cry, de Bob Marley. E haverá ainda lugar para alguns inéditos do próximo disco de originais, prometido para Junho.

Mark Knopfler

A única dúvida é saber como vai Mark Knopfler vestir os velhos êxitos dos Dire Straits. Será à Dire Straits, com aquela voz e principalmente aquela guitarra, ou à novo Knopfler, com arranjos delicados e policromáticos? É óbvio que “Sultans of Swing” é “Sultans of Swing” e só faz sentido se interpretado daquela maneira, sob risco de acabar de vez com as memórias fragilizadas de uma geração que guarda religiosamente o momento em que a parafernália punk foi bruscamente interrompida por toda aquela limpidez. Mas e o resto das memórias dos Dire Straits? É certo que, a partir de uma certa altura, aquilo já enjoava, era apenas a exploração despudorada de uma sonoridade, mas os primeiros dois discos dos Dire Straits merecem ser preservados. E serão os seus temos que os portugueses entoarão no Campo Pequeno. A carreira a solo de Knopfler, apesar de longo, não terá tantos momentos marcantes que possam fazer levantar plateias em coro. Prevê-se, por isso, um concerto misto, não muito diferente daquele de há dois anos no Pavilhão Atlântico, em que, a par dos velhos sucessos, surgirão as canções do disco mais recente – Kill To Get Crimson. A uni-los, o tom melancólico que caracteriza toda a obra de Knopfler. Nesta última gravação, é difícil perceber se o velho guitarrista se deixa influenciar mais pelas velhas baladas folk americanas se pelos ambientes e tons dos bares irlandeses. E serão sonoridades de acordeão, flauta, banjo e quejandos que ecoarão no Campo Pequeno. E a tal guitarra, claro.