Neil Young - Chrome Dreams II *****

O quê, outro disco de Neil Young? Mas estará o tipo apostado em entrar num qualquer obscuro Guinness de velhotes hiperactivos? Ainda há pouco mais de dois anos esteve para lá das portas da morte, com um aneurisma mais umas complicações subsequentes, que pelos vistos deixaram sequelas de uma certa urgência de escrever canções e remexer arquivos. Desde esse tombo de 2005, já sairam os originais Old Ways e Living With War, ambos escritos e gravados de rajada, mais duas gravações ao vivo resgatadas a diferentes passados. Agora, surge uma peculiar colecção de canções, sequela de um disco que nunca existiu… Expliquemo-nos: Chrome Dreams, o original, foi gravado em 1977, mas nunca viu a luz do dia, excepto em variadas e suspeitas edições pirata, tendo as suas canções, como Hurricane, acabaram espalhadas por vários discos subsquentes. Agora, com este sucessor homónimo, acontece o contrário: nele confluem temas que Neil foi escrevendo e gravando, mas que, por uma razão ou outra, não cabiam nos discos as que se destinavam. A jóia desta coroa é, sem dúvida, Ordinary People, uma quase-epopeia de 18 minutos gravada originalmente há duas décadas com os Bluenotes. Um pouco irritante, diga-se, na insistência dos metais. O resto é uma colecção pouco uniforme de canções. O country à Comes a Time de Beautiful Bluebird, a memória dos Crazy Horse em Spirit Road ou Dirty Old Man. E ainda a característica irrequietude de tudo experimentar, seja o soul de The Believer, sejam os coros infantis de The Way. Tudo neste disco é o inverso das experiências conceptuais das últimas décadas. As canções valem por si, uma a uma. E são quase todas acima da média do Young dos últimos anos.

Miguel Real - O Último Minuto na Vida de S. *****

Este livro é um escândalo. Uma suave escândalo, vamos lá, que a Pátria não se comove facilmente, mesmo quando brincam com os seus mais queridos mitos. Ou até com os seus vivos mais ilustres, como é o caso.
Este livro, esclareçamos as coisas, é sobre o grande e maldito amor de Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis na hora da sua morte. Mas é também uma mordaz, divertida, raramente melancólica, revisitação do quotidiano e da política do Portugal da transição para a democracia.
A leitura, é preciso pré-avisar, só será plenamente degustada por maiores de, digamos, 40 anos, ou então por leitores mais à vontade com a história recente. A quase totalidade dos personagens permanece num rigoroso anonimato, deixando-se descobrir com relativa facilidade por quem conheça o contexto em que se movimentam, ou, mais deliciosamente, pelas características que ostentam. Por exemplo, antes de embarcar no Cessna fatal, o casal de amorosos despede-se de uma das mais persistentes figuras secundárias deste livro, o “Almirante insignificante, testa ignorante, nariz petulante, boca rutilante (…) baixinho, miudinho, sumidinho (…) olhos inquietos de furão, boca rasgada de leitão”. Um candidato presidencial, enfim, que desagrada especialmente a S, quase tanto como o ministro contabilista “funcionariozinho escrupuloso (…) bom aluno de professores obtusos”, que um dia ainda haverá de ver “Portugal jorrar-se a seus pés”. Não sei se estão a ver quem é…
A escrita é como acima se transcreve. Sincopada, por vezes quase musical, sugerindo, à vez, uma leitura ora obsessiva, ora mais reflexiva, por exemplo quando os apaixonados ensaiam os últimos gestos de ternura num avião que sabemos estar prestes a despenhar-se.
Por este último longo minuto na vida de uma escandinava desinibida perpassa um «país arqueológico», perdido algures entre uma absurda guerra em África e a devoção a Fátima, e que, de forma explícita ou implícita, remete frequentemente para O’Neill, de quem esta obra é claramente devedora, quer no plano estilístico, quer na visão de um Portugal tragicamente diminuitivo.
A aposta de ficcionar o real, tão rara na nossa literatura, é francamente ganha. Sendo ficção na forma, a história pouco difere da realidade, mesmo nos improváveis momentos de paixão derradeira.

Queen Latifah - Trav’lin’ Light ****


Este é um daqueles discos que merece uma audição às escuras. Ouvir, apenas, sem tentar sequer olhar para a capa, perceber quem canta, de onde isto vem. Sim, foi o que fiz e recomendo.

Queen Latifah, convenhamos, é um nome que diz pouco a uma imensa maioria, ou, na pior das hipóteses, até baralha. A década de 90 passou-a ela investida na categoria de uma das primeiras rappers e depois hip-hoppers, tendo mesmo ganho um Grammy pela ousadia. Depois, fez cinema, talk-shows e mais umas coisas, até que, há três anos, com The Dana Owen Album, descobriu os clássicos e uma nova forma de utilizar os muito razoáveis dotes vocais.
A reincindência que aqui nos traz eleva essa aposta a um novo patamar. Um lote de grandes canções, músicos de primeira, arranjos de luxo, uma voz justa, e eis-nos perante um disco muito gratificante. Uma dos prazeres da audição, prazer à parte, é precisamente perceber o que faz a Rainha com os clássicos em que pega. E o que é deveres surpreendente é a capacidade de partir das interpretações anteriores, reinventá-las, mas deixando sempre a pairar uma fragrância do original. É assim que quase vamos ouvindo por aqui Peggy Lee, Nina Simone, Billie Holiday e mais meia dúzia.
O começo, sendo agradável é ainda quase Carole King, mas depois vem um “Corcovado”, em versão inglesa à la Sinatra, em que os arranjos de cordas parecem ter saído directamente das mãos de Jobim. E quando o piano de Nina Simone quase parece romper em “I Want a Little Sugar in My Bowl”? E há ainda espaço para a invenção pura em “I’m Not In Love”, ou na orquestração de um “How Long” em que a voz é mais Pointer Sister que algumas das manas. Isto a par de uma mão cheia de swings de grande recorte. Recomendável. Altamente.

Eagles - Long Road Out Of Eden *

As rádios americanas devem ter exultado. Afinal de contas, há 28 anos que os Eagles não gravavam. E logo um disco duplo... Esta música, verdadeiramente, apenas interessa às rádios americanas e, por isso, certamente chegará aos tops. Os Eagles têm uma canção no livro de ouro da pop, chama-se “Hotel California” e neste CD percebe-se que o rapazes tentam o bis. O resultado é um conjunto de baladas e mid-tempos iguais a milhares que por aí andam desde os anos 70.

Amy MacDonald - This Is The Life ****

Esta escocesa de 19 anos irrompeu pelo tops britânicos, no último Verão, com um primeiro disco a revelar uma compositora segura e uma intérprete de voz encorpada, a fazer lembrar outras vozes actuais e passadas. O estilo, vibrante e apelativo, anda algures entre os anos 70, à laia da capa, e uma discreta herança folk. Canta histórias do quotidiano, por vezes com um olhar crítico, não tivesse a rapariga uma formação em ciências sociais.

Herbie Hancock - River, The Joni Letters ****

Revisitar Joni Mitchell está na moda. Fê-lo ela própria, em Travelogue (2002) e Shine (2007) e fizeram-no vários nomes da pop em Tribute (2007). Herbie Hancock retoma a fórmula de Possibilities (2005) e convida Cohen, Norah Jones, Luciana Souza, a própria Joni e mais alguns para um exercício de sofisticado bom gosto, embora limitado na ambição. E não poderia ser de outra maneira: estes são caminhos não muito diferentes dos já trilhados por Mitchell.

REM - Live ****

Este disco é assim uma espécie de «aguentem aí um mais um bocadinho, que a malta volta já». Um compasso de espera, portanto. A última gravação dos REM, Around The Sun, viu a luz do dia em 2004 e, garante a editora, teremos novidades lá para 2008. É obra, quatro anos de silêncio de um dos grupos de maior sucesso dos nossos dias, o que diz bem da crise de criatividade que por ali anda. A verdade é que os REM conviveram relativamente mal com a ascensão aos tops, ao ponto de terem fãs da fase inicial que quase os renegam e não perdoam um certo tom adocicado nas canções mais recentes. Este disco poderá, eventualmente, ser útil à reconciliação das tribos – as canções são maioritariamente da fase recente, mas a interpretação anda por vezes perto do registo musculado dos primeitos anos. Trata-se de um formato raro: dois CD e um DVD, exactamente com o mesmo alinhamento, sem extras, que reproduzem os concertos de Dublin da digressão Around The Sun, a qual, de resto, passou pelo Pavilhão Atlântico, mais ou menos pela mesma altura (Janeiro/Fevereiro de 2005). Daí que meia dúzia das canções sejam desse disco, distribuindo-se as restantes pela obra pretérita. Estão aqui os sucessos (Everybody Hurts, Losing My Religion), mas também canções menos conhecidas, como Rockville, um single dos primórdios. O trio ataca a matéria-prima com profissionalismo, mas sem entusiasmos por aí além. Tudo muito certinho. Talvez irritantemente certinho. O vídeo dá para comprovar a postura contida, em fundo de neón, a fazer lembrar os U2 (ah, essa sombra…) nos momentos mais épicos. Fica, que desculpem os fãs de todas as facções, um belo conjunto de canções.